«Para que possamos todos trabalhar em conjunto, o acordo é fundamental.
Como podemos trabalhar, se um diz ‘actual’ e o outro ‘atual’?»
Celso Amorim, ministro das Relações Exteriores do Brasil, em Lisboa, em
2 de Novembro de 2007
Comentário: como é que esta luminária chegou a ministro?
CALENDÁRIO ACORDISTA
ou o que os acordistas portugueses insistem em esquecer vergonhosamente
As contagens de tempo apenas funcionam correctamente com o Internet Explorer.
A 10 de Agosto de 1945, o Brasil assinou com Portugal a "Convenção
Ortográfica Luso-Brasileira de 1945"
Há
que o Brasil não cumpre o que assinou (e decretou, até antes de Portugal).
"Permaneceu, portanto, uma situação de divergência entre as duas nações
signatárias do acordo, já que o mesmo foi, num primeiro momento, adotado
por Portugal (Decreto 35.228, de 08.12.1945) e pelo Brasil (Decreto-lei 8.286, de 05.12.1945), mas posteriormente rejeitado por este (Decreto-lei 2.623, de 21.10.1955). " inREFORMA ORTOGRÁFICA E NACIONALISMO LINGÜÍSTICO NO BRASIL, por Maurício Silva (USP)
A 1 de Setembro de 1911, entrou em vigor em Portugal a Reforma Ortográfica
(a que o Brasil aderiu e renegou depois).
"Curiosamente, a despeito das inúmeras críticas que a reforma portuguesa
recebera no Brasil, sua aceitação acabou sendo até maior do que aquela
anteriormente realizada pelos acadêmicos brasileiros, pelo menos nos primeiros
anos subseqüentes à mesma: em 1915, por exemplo, a própria Academia Brasileira de Letras acabaria aceitando um parecer de
Silva Ramos (julho) que tornava oficial o sistema ortográfico lusitano,
eliminando todas as divergências ortográficas entre Brasil e Portugal (novembro),
apesar de que quatro anos depois (1919), a mesma academia voltaria atrás,
renegando a proposta de Silva Ramos e abolindo a resolução de 1915. O amor-próprio e o sentimento nacional brasileiros parecem ter, no final
das contas, prevalecido." inREFORMA ORTOGRÁFICA E NACIONALISMO LINGÜÍSTICO NO BRASIL, por Maurício Silva (USP)
Antes da minha opinião, algumas coisas importantes...
A 21 de Julho de 2008, 5314 dias após a data em que deveria ter entrado
em vigor, o acordo ortográfico foi ratificado (e não "promulgado",
como foi anunciado pela comunicação social) pelo presidente da República.
Depois dos que o engendraram na década de 90 do século passado, do Governo
que o desenterrou, em acto abjecto de subserviência aos interesses do Brasil,
e dos deputados que o votaram, o presidente da República junta agora o
seu nome à lista dos que querem tornar possível a atoarda, o erro grosseiro
e as mentiras sobre a internacionalização e expansão da língua portuguesa.
Nenhum tem desculpa: foram avisados repetidas vezes, vezes sem conta, quer
por vozes inflamadas, quer por serenos pareceres de especialistas e entidades
e até, recentemente, por admissões de erros e faltas no texto do acordo
por parte dos mais encarniçados acordistas. Não ouviram porque não quiseram.
Resta-nos uma certeza: neste caso, a Vergonha Nacional tem nome. Os nomes
de todos os que deixaram as suas assinaturas em todos os papéis de Estado
onde a Vergonha foi tendo salvo-conduto, durante 5314 dias.
Perante estas denúncias (que não são, sequer, novidade), o governo não
tem um pingo de vergonha?
E os que fabricaram o monstro e assinaram a mentira, não têm nada a dizer?
Acordo Ortográfico? Para quê? – A minha opinião
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Nota Prévia: a Lusofonia no seu melhor!
Recebi recentemente a seguinte mensagem:
«Olá, Eu sou Brasileiro e estou a procura de um dicionário automobilistico
French/English, percebi que você tem bastante coisa no seu site, você tem
alguma coisa boa para me indicar ou vender.
Grato. Agradeço desde já.
Obs. Eu não sei se o Português do Brasil é parecido com o de Portugal,
por isso escrevi em dois idiomas.
Hello, I'm brazilian and I'm looking for a automotive dictionary French/English,
I realize that you have a lot of things in your website, do you have something
good to indicate to me or to sell me. Thanks.
Note: I don't know if the brazilian Portuguese is similar with the Portuguese
of Portugal, that's why I wrote it in two languages. Best regards.»
[o autor da mensagem acima estava devidamente identificado]
Comentário: NÃO TENHO! NÃO PRECISO SEQUER DE TER...
O ovo de Colombo existe!
Sem o Acordo Ortográfico que os acordistas(1) nos querem impor, nós escrevemos “uma acção ténue”. No Brasil
escrevem “uma ação tênue”. Com o Acordo, nós escreveríamos
“uma ação ténue” e no Brasil continuavam a escrever “uma
ação tênue”. Por sua vez, a lingüiça brasileira passará a ser
escrita à portuguesa (linguiça), sem, contudo, terem nada a ver uma com
a outra. E pronto! Percebe agora o leitor como, com coisas destas, a Língua
Portuguesa vai ser mais fácil de aprender por crianças de 6-7 anos e por
estrangeiros e ter uma maior projecção internacional?
(1) acordista. s. m. e f. Pessoa particularmente iluminada dos países lusófonos que pretende pôr
toda a gente a escrever a Língua Portuguesa da mesma maneira por meio de
acordos ortográficos, independentemente das muitas diferenças existentes,
há muito tempo, nas versões faladas e escritas da língua em diversos locais
do mundo. = SONHADOR.
Afinal, é esta a questão! Para quê o Acordo Ortográfico? Clamam os portugueses
por escrever “ação” em vez de “acção”? Existe ou
existiu algum movimento, entre os que escrevem livros ou nos jornais e
nas revistas ou entre os professores de português, para que seja alterado
o nosso modo de escrever? Não! Andaram ou andam aflitos os agentes económicos
portugueses, pela perda de mercados ou de negócio por causa da maneira
como escrevemos a nossa língua? Não! Então, para quê empurrar e impor por
via legal uma grafia para as palavras baseada na comparação com a grafia
utilizada pelos falantes de português de outros países, mas onde a língua,
muito naturalmente, seguiu e segue outros rumos e teve e continua a ter
outras influências – diferentes, evidentemente, do português falado
e escrito em Portugal?
O problema não são os obstáculos, excelência! O problema é o resto...
O ministro da Cultura, José António Pinto Ribeiro, assegurou que não existe
«nenhum obstáculo nem nenhuma razão política» que impeçam a ratificação
do Acordo Ortográfico pelos membros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa
(CPLP).
Fonte: Lusa, 25 de Março de 2008
Comentário do Carlos Albino nas suas ‘Notas Verbais’, telegrama de 27 de
Março de 2008: «Só que o problema não são os obstáculos, mas sim os escolhos,
contrariedades, espinhos, entraves, empecilhos, dificuldades, recifes,
cachopos, esparcéis, abrolhos, estorvos, barreiras, farilhões, óbices,
embaraços, imbondos...»
Ah, dizem os defensores da atoarda até à exaustão, mas o Acordo apenas
se refere à língua escrita, e não à língua como é falada! Estranho e enviesado
argumento este, já que o Acordo está cheio de referências, excepções e
ressalvas ao modo diferente de pronunciar as palavras em Portugal e no
Brasil e à sua interacção com o modo de as escrever! Ou, como diz o próprio
texto do Acordo, «Não é possível unificar divergências [ortográficas] que
assentam em claras diferenças de pronúncia». Espantoso, o que se consegue
inventar para defender o que não tem defesa!
A Guerra dos Cem Anos...
«Desde 1911 que andamos nisto».
Prof. Dr. Malaca Casteleiro, acordista-mor português, em entrevista a António
Melo da Africa21.
Comentário: e, pelos vistos, os acordistas ainda não aprenderam... No Anexo
II ao Acordo Ortográfico, os acordistas não conseguiram escamotear a extraordinária
história dos fracassos de TODOS os acordos ortográficos, desde 1911. A
Portugal e ao Brasil são atribuídas, ora a um, ora a outro, as responsabilidades
de cada fracasso, mas a verdade histórica, incontornável e incontestável
permanece: TODOS os acordos ortográficos falharam nas intenções declaradas
pelos acordistas de todos os tempos. A conclusão é simples: Acordo Ortográfico,
em português, é sinónimo de fracasso! Será por teimosias, má-sorte ou alguma
maldição antiga? Ou serão os fracassos, isso sim, o resultado das reacções
dos povos às periódicas investidas de uns iluminados que se propõem pôr
as pessoas a escrever de um modo que não pediram, não querem e que lhes
é estranho? Abençoados fracassos, digo eu!
E além disso – continuam eles, os defensores – com o maravilhoso
Acordo que nos querem impor, apenas x % das palavras serão modificadas
em Portugal e y % no Brasil. A este respeito, e apenas no que me toca –
os brasileiros farão o favor de defenderem eles a sua dama – repugna-me
que x seja maior (3 vezes maior!) do que y (ou seja, que sejamos nós a
modificar mais palavras do que eles). Dito de outra forma, com o Acordo,
a língua portuguesa escrita em Portugal sairia abrasileirada. Se fosse
ao contrário, tanto se me dá se os brasileiros aceitariam a mudança ou
não. Nós não a deveríamos ter aceitado! Ponto final.
A miragem da unificação absoluta da ortografia...
Na Nota Explicativa do Acordo Ortográfico de 1990 pode ler-se esta afirmação
verdadeiramente extraordinária:
«Também o Acordo de 1945 propunha uma unificação ortográfica absoluta que
rondava os 100% do vocabulário geral da língua. Mas tal unificação assentava
em dois princípios que se revelaram inaceitáveis para os brasileiros (...)».
Comentário: fica então claro que o sonho dos acordistas da unificação ortográfica
absoluta e universal da língua portuguesa já foi alcançado em termos teóricos,
tendo ‘apenas’ sido rejeitado, por um dos países ter considerado inaceitáveis
os princípios em que tal unificação se baseava, nomeadamente pela não-aceitação
da «resolução das divergências de acentuação (...) no sentido da prática
portuguesa». Dito de outra forma, falhado o sonho de 1945 por rejeição
do Brasil (10 anos depois da sua aceitação, o que é sonegado na Nota Explicativa do AO), o novo Acordo de 1990 pretende
agora atingir a unificação ortográfica ”no sentido da prática brasileira“.
Tal como ao Brasil, em 1945 (1955), assiste agora o direito a Portugal
de considerar inaceitáveis os princípios em que se baseia o Acordo de 1990.
E, como não podia deixar de ser, pelas mesmas razões. Nota final: revelador,
a parcialidade do uso do ‘mas’ no início da segunda frase.
Alguns acordistas mais envergonhados defendem a sua ratificação, porque Portugal assinou o Acordo (em 1990). Saramago afina (afinava?) por este diapasão, recomendando,
contudo, que «se for preciso, sentem-se outra vez à mesa, puxem as esferográficas
e avancem». Nobelicamente falando, uma no cravo, outra na ferradura! Será
bom ter em conta que a assinatura é apenas um dos passos (necessário, mas
não suficiente) para a entrada em vigor de um tratado internacional, sendo
a ratificação (pelo Parlamento português) o outro passo necessário para
a sua entrada em vigor em Portugal. O que aconteceria, afinal, se Portugal
não ratificasse o Acordo? Nada! Absolutamente nada! Os mais legalistas
diriam que o mesmo estava efectivamente em vigor, por força do Segundo
Protocolo Modificativo (essa espécie de auto-ultimato dos países lusófonos
uns aos outros), e aplicá-lo-iam, se assim entendessem. São soberanos,
podem fazê-lo!
Afinal, com o Acordo de 1945, o Brasil fez rigorosamente o mesmo: discutiu-o,
aprovou-o, assinou-o (a 10 de Agosto de 1945), passou-o a lei (a 5 de Dezembro
de 1945) e renegou-o 10 anos depois (por decreto de 21 de Outubro de 1955),
porque o considerou inaceitável! Por outras palavras, há que o Brasil deu o dito por não dito! Alguém notou alguma coisa? Os acordistas
de então rasgaram as vestes? A nossa Língua Portuguesa – nossa e
de todos quantos a falam e escrevem com as mais diversas grafias, prosódias,
sintaxes e sotaques – deixou de ser uma das mais belas do mundo?
Não! Claro que não!
Mentir, assim tão descaradamente, é muito feio, senhor professor...
«A língua portuguesa é a única com duas variantes que têm que ser traduzidas
nas Nações Unidas.»
Malaca Casteleiro (citado no Ciberdúvidas in http://www.ciberduvidas.com/articles.php?rid=1742)
Comentário: Fica mal, ao principal autor português do acordo ortográfico,
utilizar mentiras para defender a sua obra. NÃO existem nenhumas traduções para português (europeu ou brasileiro) nas
Nações Unidas! Porque, simplesmente, o português NÃO é língua oficial das Nações Unidas.
Ponto final. As traduções que forem feitas são exclusivamente da responsabilidade
dos respectivos estados e usam, muito naturalmente, a língua por si utilizada...
Um assessor a precisar de muitos ‘dictados’ para não dizer disparates destes...
«Para facilitar a cooperação na África e no Timor, por exemplo, é fundamental
essa ‘universalização’. Não dá para uma professora dizer ‘dictado’ (sic), seguindo um livro de Portugal e ‘ditado’ quando utilizar um livro do
Brasil.»
Carlos Alberto Xavier, assessor especial do ministro da Educação do Brasil
(in www.japao.org.br, a 28 de Outubro de 2004)
Comentário: “pasmado e duvidoso do que [ou]vi, m'espanto às vezes,
outras m'avergonho" como diz o soneto de Sá de Miranda. Com uma pequena
alteração de que peço desculpa.
Proteccionismo ou apito?
«Se defender a preservação, a valorização e a divulgação da língua portuguesa
como elemento identitário, meio de criação e expressão cultural ao longo
de séculos, instrumento de comunicação quotidiana, traço de união entre
Portugal e o resto do mundo corresponde a ser proteccionista, devo dizer
que tenho a maior honra em sê-lo, tanto no plano nacional como no internacional.
E se se entende por proteccionismo o propósito de acautelar legitimamente
os não menos legítimos interesses da edição portuguesa que, pelo seu mérito,
qualidade e capacidade de resposta, tem batido a concorrência dos grandes
grupos internacionais nos países africanos, também faço questão de apoiar
as modalidades adequadas de salvaguarda desses interesses também geostratégicos,
chamem-lhe proteccionismo ou apito. Mas o mais absurdo, e nisso o editorial
acompanha as luminárias que engendraram o Acordo, está em se pensar que
cerca de 1,5% de vocábulos do português de cá e cerca de 0,5% de vocábulos
do português de lá, desde que alterados, asseguram a unidade da língua.
Nem parece do Expresso supor uma coisa dessas! É evidente que não contribuem
absolutamente para nada, a não ser para que ela seja desfigurada e para
aumentar exponencial e inutilmente confusões, dificuldades e custos de
toda a espécie, pelo menos do lado português.»
Vasco Graça Moura, O Expresso e o Acordo Ortográfico in Diário de Notícias,
de 12 de Dezembro de 2007
E, para além da dimensão da mudança (1,6 % das palavras alteradas em Portugal
ou 0,5 % das palavras alteradas no Brasil), para os acordistas parece não
ter qualquer importância (apesar de a considerarem «qualitativamente importante»)
a frequência das palavras alteradas no léxico corrente da língua. Serão
palavras pouco utilizadas, apesar de estarem nos dicionários? Estamos a
falar de palavras raras ou pouco usadas na língua comum, corrente e de
todos os dias? Não! Estamos, isso sim, a falar de palavras muito utilizadas,
muito frequentes e muito correntes na nossa língua comum. Um exemplo muito simples: as estações do ano são apenas quatro, e os nomes
dos meses são apenas doze, mas na Base XIX, o desgraçado acordo decreta
que em Portugal passemos a escrevê-los à brasileira, i.e., primavera e
verão ou fevereiro e outubro, com minúscula inicial! Justificação para tão importante alteração? Nenhuma! Na mente dos acordistas
portugueses existiu apenas um princípio: ‘abrasileirar’ o português, rapidamente
e em força, numa subordinação servil, descarada e estúpida aos interesses
brasileiros! Será que é com parvoíces destas que a língua portuguesa vai
ganhar maior projecção internacional ou ser mais fácil de aprender por
criancinhas e estrangeiros? Tenham juízo!
O número das palavras com ortografia modificada para justificar a ‘suavidade’
do Acordo é uma falsa questão e uma mentira do tamanho da sua imbecilidade. Contrariamente ao que defendem os acordistas, não se trata de modificações
linguísticas de pequena monta, apesar de todas as excepções e facultatividades
aceites, a desgosto, pelo Acordo! Trata-se de uma revolução na língua e
do seu rápido abrasileiramento (1,6 % é mais do que 3 vezes maior do que
0,5 %...) imposta por um grupo de conjurados com o apoio cego e ignorante
dos poderes políticos! No que se refere às normas ortográficas portuguesa e brasileira, a insofismável
diversidade da língua portuguesa por via do léxico, da pronúncia, da prosódia
e da morfossintaxe justifica plenamente que existam 1,6 % das palavras
portuguesas escritas de modo diferente do Brasil e 0,5 % das palavras brasileiras
escritas de modo diferente de Portugal, a que se juntam todas as outras
em que o Acordo nem se atreveu a mexer!
Como pergunta Vasco Graça Moura, será que «cerca de 1,5 % de vocábulos
do português de cá e cerca de 0,5 % de vocábulos do português lá, desde
que alterados, asseguram a unidade da língua[?]»
Para os que fizeram o acordo ortográfico, o princípio orientador foi simples:
quando a ortografia portuguesa é diferente da brasileira, muda-se a ortografia
portuguesa no sentido da prática brasileira, MAS quando a ortografia brasileira
é diferente da portuguesa, arranja-se uma ortografia facultativa, cujo
resultado só pode ser um enorme cabaz de disparates e incongruências ortográficos.
À luz deste princípio, "recepção", em Portugal, poderia continuar
a ser escrito tal qual, porque no Brasil também é escrito da mesma maneira
(os brasileiros pronunciam o "p")...
A pouca-vergonha...
«(...) Em primeiro lugar, a pouca-vergonha que é o estado legislar sobre
a língua. A língua devia ser deixada entregue a si mesma, como acontece
em países com sólidas tradições democráticas. O inglês é, em termos práticos,
a língua académica, científica e comercial internacional – mas ninguém
legisla sobre esta língua e as ortografias do Reino Unido e dos Estados
Unidos são diferentes, para não falar dos restantes países de expressão
inglesa. Mas nos nossos dois países, Portugal e Brasil, as bestas de políticos
que temos bem poderiam fazer uma lei para deixarmos de beber café com leite
ao pequeno-almoço, que a intelectualidade aceitaria isso com naturalidade.
Como dizia o Ega, isto é uma choldra. Ah, os brasileiros não aceitariam
isso – mas unicamente porque no Brasil não se sabe o que é o pequeno-almoço,
pois usam a expressão “café da manhã” (e até “traduzem”
o Eça, para o leitor não se dar ao incómodo de ir aos excelentes dicionários
brasileiros – o Houaiss, o Aurélio ou o Michaelis).»
Desidério Murcho, in blogue De Rerum Natura
Falemos então de violências, alfabetização brasileira e ‘derivas’ ortográficas...
«(...) os brasileiros, que há muito tinham suprimido, para maior facilidade
de alfabetização, as chamadas consoantes mudas ou não articuladas em palavras
como “acto”, “directo”, “óptimo”, tinham
de voltar a introduzi-las na escrita. Ora isso constituía uma violência,
que o Brasil não aceitou. Imagine-se como reagiriam os portugueses se agora
os obrigassem a reescrever “fructo” ou “victória”,
com consoantes que há muito foram suprimidas! A lição que colhemos, quer
de 1911, quer de 1945, é que Portugal, embora seja o berço da língua portuguesa,
não é no mundo de hoje o seu único proprietário.
A verdade é que, tendo falhado as duas unificações plenas tentadas em 1945
e 1986, mandava o bom senso que se procurasse uma unificação possível,
menos absoluta, mas mesmo assim suficiente, para abranger cerca de 98%
do léxico da língua, e necessária, para evitar que a deriva ortográfica,
com oito países lusófonos, se venha a acentuar.»
Malaca Casteleiro, acordista-mor pelo lado português
Comentário: atente-se na declaração extraordinária de o acordo de 1945
ser “uma violência, que o Brasil não aceitou” (mas apenas 10
anos depois de ter aceite tal violência por decreto...)! Isto é, como país
soberano que é, o Brasil, simplesmente, não aceitou que fosse outro país
a mandar-lhe na língua! Fez muito bem! Então, porque acha a luminária portuguesa
que devemos ser nós agora a engolir as “violências” do acordo
que engendrou? Ora essa! Eu também não quero ser violentado e escrever
‘ação’ ou ‘ótimo’... Quanto aos falhanços dos acordos anteriores, deve
haver alguma razão que o iluminado Prof. não consegue enxergar. Eu dou-lhe
uma ajuda: porque os povos não quiseram ser violentados por decreto! Tão
simples como isso... Sobre a ‘deriva ortográfica’, o nosso acordista-mor
continua a não entender o que se passa no mundo: aceita a deriva das línguas
faladas (que remédio, já que essas não podem ser legisladas...), mas não
entende que possa haver ‘deriva ortográfica’... Ele sai-nos cada um!
Querem os acordistas escrever, à brasileira, “batismo” em vez
de baptismo e “janeiro” em vez de Janeiro? Muito bem: escrevam
“batismo” ou “janeiro” em textos a defender as
suas teorias, em comunicações a congressos de linguística, em textos de
divulgação popular, em artigos de jornais e em dicionários, prontuários
e gramáticas em que proponham e se batam pelas suas ideias. E estas, se
tiverem mérito, se forem julgadas úteis, se se impuserem por uma lógica
demolidora aos olhos dos falantes e dos que escrevem a língua em Portugal,
serão adoptadas naturalmente. Mas meterem as suas ideias, com o beneplácito
do poder político, pelas goelas abaixo de todo um povo é uma baixeza!
E, afinal, para que servirá um acordo ortográfico se, no Brasil, a laqueação
das trompas é designada "laqueadura" e a "laqueação"
ser no Brasil o que designamos, em Portugal, por lacagem (de móveis, por
exemplo). Com ou sem acordo, continuaremos a não nos entender, mesmo em
português.
E, sobretudo, não precisamos.
«Acordo não, obrigado. Não pedimos, não queremos, e, sobretudo, não precisamos.»
António Emiliano, “Foi Você que Pediu um Acordo Ortográfico?” Lisboa: Guimarães Editores, 2008.
Boas gramáticas, bons livros e bons dicionários, por favor!
«Os académicos das Academias que academicamente publiquem boas gramáticas,
bons livros, bons dicionários – óptimo! Que cumpram com esse trabalho
a sua obrigação pública de nos ajudar a escrever melhor, de orientar a
evolução natural da ortografia, da gramática, do léxico. Entre as suas
responsabilidades profissionais incluem-se precisamente estas. E eu preciso
deles, como todos os utentes da língua. Mas não preciso que se munam do
estado salazarista para fazer leis sobre as palavras. Isto devia ser óbvio,
mas não é óbvio em Mil Novecentos e Oitenta e Quatro – apesar de
estarmos em 2008.»
Desidério Murcho, in blogue De Rerum Natura
Um bom exemplo de como deve ser feita a evolução de uma língua: no Dicionário
da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa,
o seu autor, o Professor Malaca Casteleiro – o grande ideólogo, pelo
lado português, do desgraçado Acordo – regista e define para algumas
palavras ortografias com as quais não concordo. E depois? Continua, mesmo
assim, a ter a minha admiração pela sua monumental obra. A qual, como não
é lei nem me é imposta por força das assinaturas de ministros de outros
países, apenas me aponta novos caminhos, de modo culto e informado. Adoptarei
as grafias propostas se assim o quiser, e tanto mais e mais rapidamente,
quanto mais rápida e frequente for a adesão dos meus concidadãos. É este
o caminho, senhor Professor: proponha, que cá estaremos nós, os que falam
e escrevem a nossa língua comum, para aceitar, ou não, as suas propostas.
Mas o Acordo – lá continuam eles – defende a língua portuguesa!
Qual delas, pergunto eu? É que o sonho da Grande Língua Portuguesa, como
entidade una e indivisível, qualquer que seja o sítio onde é falada e escrita,
foi chão que já deu uvas... Os países que ainda falam português, tal como
o conhecemos em Portugal, farão com a sua língua o que muito bem entenderem!
Inclusivamente, darem cabo dela! Portugal não é, nem deve ser, o dono ou
o cão-de-guarda dos portugueses falados e escritos pelo mundo. Mas também
não deve ser o funil para onde se despejam os usos e costumes linguísticos
forjados pela história dos outros povos.
Claro como água...
O escritor moçambicano Mia Couto afirmou [em 11 de Fevereiro de 2008] à
Agência Lusa não haver necessidade de Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa:
«o Acordo ortográfico tem tanta excepção, omissão e casos especiais que
não traz qualquer mudança efectiva.»
O escritor moçambicano rebateu deste modo o angolano José Eduardo Agualusa
que (...) defendeu a escolha, por Angola, da ortografia brasileira, caso
não venha a ser aplicado o Acordo Ortográfico por "resistência"
de Portugal. Para esta tomada de posição (...), José Eduardo Agualusa avança
como justificação o facto de Angola ser um país independente, nada dever
a Portugal e o Brasil ter 180 milhões de habitantes e produzir muito mais
títulos e a preços mais baratos do que Portugal.
Comentário: Agualusa tornou tudo claro como água, apesar de pouco lusa!
Bem me parecia que o Acordo não tinha nada a ver com linguística, com a
unidade e a projecção internacional da língua portuguesa ou com outras
trapaças do mesmo teor... Tem a ver é com mercados, dinheiro e projecção
internacional dos legítimos interesses de cada um...
José Eduardo Agualusa pode dormir descansado: eu não quero mandar, de modo
imperial, como ele diz, na língua portuguesa falada e escrita em Angola
ou nos outros países. Mas também não quero, porque Portugal também é um
país independente e também não deve nada ao Brasil ou a Angola, que seja
o Brasil, agora, ou Angola, no futuro, a mandar, por decreto, no modo como
falo e escrevo a minha língua. Estamos entendidos, José Eduardo?
Uma das atoardas do Acordo:
Na Base I, 2.º c) pode ler-se «(...) Em siglas, símbolos e mesmo em palavras
adotadas (sic) como unidades de medida de curso internacional: TWA, KLM; K-potássio (de
kalium) W-oeste (West); kg-quilograma, km-quilómetro, kW-kilowatt, yd-jarda
(yard); Watt.»
Comentários:
(1) Palavras “adotadas (sic) como unidades de medida”? Não sabem os acordistas que as palavras não podem ser “adoptadas”
como unidades de medida? São símbolos(1), como kg, J ou W ou nomes(2), quando escritos por extenso, como quilograma, joule ou watt, conforme
a designação oficial definida pela Conferência Geral de Pesos e Medidas
(CGPM), de que Portugal é membro fundador (desde 1876...) e a que o Brasil
aderiu em 1921!
(2) Watt, escrito assim, para representar a unidade de potência? Os iluminados que pariram o Acordo deviam saber que, quando escritos
por extenso, os nomes das unidades de medida que derivem de nomes de pessoas
são escritos com minúscula inicial, como J-joule, W-watt, F-farad, A-ampere,
etc., “excepto quando no início de uma frase, ou integrado em texto
em maiúsculas, como num título”. Está tudo nos papelinhos da CGPM(3) e, no que refere a Portugal, no Decreto-Lei n.º 427/83, de 7 de Dezembro, alterado pelo Decreto-Lei nº 320/84, de 1 de
Outubro (i.e., diplomas legais anteriores à data da assinatura do acordo,
em 1991). Viva o “rigor científico” do Acordo!
(1)symboles, no original da Brochure SI (versão francesa) e (unit) symbols, no original do mesmo documento (versão inglesa). (2)noms, no original da Brochure SI (versão francesa) e (unit) names, no original do mesmo documento (versão inglesa). (3) Cf. www.bipm.fr
Não acordes, Acordo! Dorme para sempre!(2)
«Há mais de dez anos que vivemos com esta espada suspensa sobre a cabeça:
quando não têm mais nada com que se entreter para exibir a sua importância,
os senhores da Academia das Ciências [de Lisboa] e os ministros dos Estrangeiros
gostam de nos ameaçar com o acordo ortográfico, cujo objectivo único é
pôr-nos a escrever como os brasileiros, assim lhes facilitando a sua penetração
e influência nos países de expressão portuguesa. Como disse Vasco Graça
Moura, o acordo é um “diktat” neo-colonial, em que o mais forte
(o Brasil) determina a sua vontade ao mais fraco (Portugal). Alguém imagina
os Estados Unidos a ditarem à Inglaterra as regras ortográficas da língua
inglesa? Ou o Canadá a ditar as do francês à França ou a Venezuela as do
espanhol a Espanha? Dizem que isto vai facilitar a penetração da literatura
portuguesa no Brasil, mas ninguém perguntou a opinião aos autores portugueses.
Há quatro anos atrás, publiquei um livro no Brasil e, contra a opinião
de alguns ‘sábios’ e as várias insistências da editora brasileira, o livro
reza assim na ficha técnica: “A pedido do autor, foi mantida a grafia
da edição original portuguesa”. Apesar dos agoiros de desastre que
essa teimosia minha implicaria, o livro vendeu até hoje cerca de 50.000
exemplares no Brasil. Perdoem-me a imodéstia, mas orgulho-me de ter feito
bem mais pela nossa língua no Brasil do que todos esses que se dispõem
a vendê-la como coisa velha e descartável.»
Miguel Sousa Tavares, “Eu prefiro Chávez”, in Expresso, 26 de Novembro de 2007
(2) Em oposição à opinião de José Eduardo Agualusa no seu artigo “Acorda
Acordo ou dorme para sempre” publicado no semanário angolano “A
Capital”, de 9 de Fevereiro de 2008.
E continuam, sem desarmar, os acordistas: mas o Acordo irá fomentar a projecção
da língua portuguesa como língua internacional! Nos acordos anteriores,
já esta balela era propagandeada! Para além da União Europeia, em que a
adopção de todas as línguas nacionais dos estados-membros como línguas
oficiais já era um princípio antes da adesão de Portugal e da União Africana,
da Organização dos Estados Ibero-Americanos, do MERCOSUL e, hélas, da União Latina e da CPLP, que outras organizações verdadeiramente internacionais
adoptaram o Português como língua oficial? Nenhuma! Eis quantas!
Já estou até a ver o inglês, o castelhano e o francês a tremer perante
a gloriosa investida do português pós-acordo!
E – curioso – por mais que procure, não vejo anunciadas reuniões
preparatórias, ou movimentos populares ou eruditos, para futuros acordos
ortográficos entre os países de língua inglesa, francesa, castelhana ou
até árabe...
Só que a questão é outra! Frequentemente sonegada pelos acordistas, a “expansão”
com que nos enchem os ouvidos e aquecem o ego é, apenas, a adopção do "português"
(brasileiro, evidentemente) como língua oficial das Nações Unidas, como
parte do legitimíssimo anseio do Brasil em ocupar um lugar permanente no
Conselho de Segurança da ONU. Mais nada!
Diga lá, excelência: a língua portuguesa vai expandir-se para onde?
«O ministro da Cultura [José António Pinto Ribeiro] defendeu [hoje] o Acordo
Ortográfico como uma “necessidade para a expansão da língua portuguesa”»
Fonte: Lusa, 19 de Março de 2008
Comentário: com um extenso currículo como jurista, especialmente no universo
bancário, o ministro da Cultura de Portugal resolveu meter o bedelho onde
se sentiu chamado. E é vê-lo fazer declarações como as que reproduzo acima
e que, ele, reproduz de outro lado... Afinal, de que expansão está o ministro
a falar? Para onde? Sobre a primeira questão, qual é afinal a política
do ministro para a defesa (esqueça a expansão, senhor ministro) da Língua
Portuguesa (a nossa, a europeia, a de Portugal) no mundo? Nenhuma! A não
ser que a política portuguesa sobre a sua língua seja apenas a de fazer
fretes aos interesses brasileiros! E sobre a segunda questão, continuo
à espera do eldorado sempre prometido pelos acordistas: afinal, vai a língua
portuguesa expandir-se para onde? E com quê? E como? Receio bem que a “expansão”
anunciada faça parte da ponta oculta do icebergue dos interesses brasileiros:
fazer do português uma língua oficial das Nações Unidas, de braço dado
com o desejo e a campanha do Brasil para ocupar um lugar de membro permanente
do Conselho de Segurança. Do português brasileiro, claro está, já que são
180 milhões do lado de lá, e nestas coisas das relações internacionais,
o tamanho do território e a contagem das cabeças que nele habitam contam,
e muito! E, afinal, deve Portugal apoiar uma candidatura do Brasil a membro
permanente do CS da ONU? Deve! Porque isso nos interessa! E deve Portugal
apoiar a candidatura do português como língua oficial na ONU? Não! Porque
isso não serve os nossos interesses. Chama-se a isto realpolitik, sem qualquer significado maquiavélico do termo.
A triste realidade da ‘expansão’ da língua portuguesa...
«O Governo de Hugo Chávez incluiu a língua portuguesa como disciplina opcional
no currículo oficial do próximo ano lectivo e já lançou um projecto-piloto
em 14 escolas, mas a falta de professores pode condicionar esta opção.
O Governo português, pelas vozes de José Sócrates e do secretário de Estado
das Comunidades, João Gomes Cravinho, já afirmaram no mês passado que não
há dinheiro para apoiar esta iniciativa venezuelana. O primeiro-ministro
disse que a solução passa pela formação de professores no país e não pelo
envio de novos. Cravinho foi ainda mais longe, afirmando, numa visita ao
país no início de Abril, que Portugal não tem dinheiro para apoiar a iniciativa
do Governo de Caracas. "Portugal vive uma conjuntura de enormes oportunidades
no que toca ao ensino da língua portuguesa e à promoção da língua portuguesa
no estrangeiro, conjugada com a exiguidade de recursos", disse Cravinho,
citado pela Lusa. Portugal não tem dinheiro para apoiar a iniciativa e
o Brasil não deixou de aproveitar a oportunidade. Os brasileiros já têm
cinco leitores na Escola de Idiomas Modernos da Universidade da Venezuela
e, no início do mês passado, Hugo Chávez e Lula da Silva assinaram um protocolo
na área da educação que visa a promoção do ensino da língua na Venezuela
e que pode passar pelo envio e formação de novos professores. João Cravinho
já disse que não há dinheiro para apoiar o projecto de ensino do português
do Governo venezuelano.»
Fonte: Lusa, Jornal Público, 13 de Maio de 2008
Comentário: então o Monstro não iria resolver esta questão? Faz-se o acordozinho
sobre a ortografia e a língua portuguesa passa a expandir-se a olhos vistos,
como um balão bem rechonchudo, independentemente de quem sopre no dito!
Outra mentira propalada pelos acordistas, agora sem a máscara dos salões
e dos debates académicos! A expansão da língua portuguesa (de versão europeia)
faz-se com vontades e políticas, e estas, como não podia deixar de ser,
fazem-se com dinheiro! Só que, contra a falta de umas e de outro, não é
com acordos ortográficos que se podem atingir os resultados desejados.
O Brasil não deixou de aproveitar a oportunidade? Melhor fora que tivesse
deixado... Com a Venezuela a delimitar-lhe a fronteira, é apenas natural
que assim seja. No Brasil, insiste-se no acordo, mas tratam-se dos negócios,
não vá o diabo tecê-las... Por cá, defende-se o acordo milagreiro e deixa-se
o negócio morrer à míngua. Para os acordistas, nada disto é relevante,
claro, já que, com o Monstro que criaram, o português ensinado na Venezuela
pelo Brasil é também o nosso (sim, porque ‘nós não somos donos da língua’...).
Esta gente que nos governa e que nos quer pôr a escrever como os brasileiros
(sim, porque ‘nós não somos donos da língua’...), «é apenas incompetente,
estúpida e desleixada. Traidores, não. Talvez não. Carecem de inteligência.
E nasceram já sem memória alguma», como diz o João Pedro Graça no seu blogue.
Uma dimensão estratégica, sim, mas apenas para o Brasil...
«(...) Ora o Acordo tem uma dimensão estratégica e não vale a pena ter
qualquer dúvida de que é o Brasil que hoje tem a liderança no plano da
promoção da língua portuguesa. Se o Brasil, por exemplo, entrar para o
Conselho de Segurança e levar consigo o português como língua oficial,
se não levar consigo a matriz comum do Acordo, levará o português que se
fala no Brasil.»
Declarações do embaixador de Portugal em Brasília, Francisco Seixas da
Costa, em entrevista ao jornal Público e à Rádio Renascença (13 de Abril
de 2008).
Comentário 1: o nosso embaixador em Brasília tem o condão de falar claro!
Haja quem o faça! Mas então, se o acordo ‘mexe’ apenas na língua escrita
e, segundo os acordistas, em poucas palavras e sem muita profundidade,
será por termos acordo que iremos ter o ‘Português’ como língua oficial
das Nações Unidas e não, à falta de acordo, como diz Francisco Seixas da
Costa, o "português que se fala no Brasil"? Pura cegueira! Com
o acordo, o português-língua oficial das Nações Unidas contará apenas com
mais algumas palavras agora uniformizadas graficamente (mais todas as excepções
e facultatividades...), mas também com toda a morfologia, sintaxe, prosódia
e vocabulário próprios do português brasileiro, cada vez mais estranho
ao português europeu. Apenas no que toca ao vocabulário diplomático, os
documentos no tal ‘português-coisa maravilhosa, com grafia unificada e
tudo’ falarão de ‘rodadas de negócios’, ‘ouvidorias’, ‘reuniões de cúpula’,
‘adidâncias’, ‘pronunciamentos’, ‘ajustes complementares’, etc. Isto é,
escreveremos todos de modo igual coisas que só fazem sentido para alguns...
Comentário 2: após um período em que eram apresentadas no Blogue de Informação
sobre Actualidade Luso-Brasileira da Embaixada de Portugal no Brasil diversas
opiniões sobre o Acordo Ortográfico (a favor e contra), incluindo uma referência
para esta página, desde a entrevista acima referida, o blogue não publica
qualquer opinião desfavorável ao acordo. Nem sequer uma simples referência(*)
à existência do Manifesto em Defesa da Língua Portuguesa (e às suas dezenas
de milhar de assinaturas) viu a luz do dia no blogue da embaixada. No entanto,
qualquer opinião a favor do acordo, como a da cantora brasileira Adriana
Calcanhoto (com um confrangedor chorrilho de banalidades), encontra no
blogue uma porta sempre aberta. Será que a discordância de muitos portugueses
para com o acordo que lhes tentam impingir é assim tão repugnante?
(*) prática interrompida a 26 de Maio de 2008, com a referência à opinião
de Eduardo Lourenço contrária ao acordo. Sobre o Manifesto e as suas 44
735 assinaturas (contagem às 17:25 de 1 de Junho de 2008), o silêncio continua!
A coisa incomoda, não é, senhor embaixador?
Mais outra luminária acordista com a mania das grandezas...
«O acordo ortográfico vai ser uma grande medida para a valorização da língua
portuguesa, que hoje é falada por 200 milhões de pessoas. Mas a nossa língua,
neste momento, tem várias normas. Há a matriz de Portugal e a do Brasil
e as instâncias internacionais tem dificuldade em utilizar a língua portuguesa
porque não sabem qual é o modelo que se vai utilizar. Portanto o acordo
ortográfico vai permitir a unidade da língua.»
Manuel Veiga, ministro da Cultura de Cabo Verde. Fonte: Lusa, 4 de Abril
de 2008
Comentário: tudo espremido, são dois factos, duas patacoadas e uma mentira!
Há quase 100 anos que a divergência ortográfica (e não só...) entre Portugal
e o Brasil é um facto consumado e só agora – vá-se lá saber porquê
– é que mais esta luminária vem com o argumento de as «instâncias
internacionais terem dificuldades em utilizar a língua portuguesa». Algum
negócio, negociação, tratado, acordo, declaração conjunta, ‘pronunciamento’,
protocolo, troca de notas, cimeira, reunião (e o que mais quiser, excelência)
deixou de se fazer, porque em Portugal se escreve, naturalmente, diferente
do Brasil? NENHUM! E como o comentário é de um iluminado que acha que nem
precisa de justificar o que diz, lá vêm as estafadas ‘instâncias internacionais’
à baila! Mas de que instâncias internacionais fala esta gente? Ou é só
para impressionar o povo? Com este argumento, os países de língua inglesa
ou castelhana, esses pobres desgraçados que falam e escrevem línguas apenas
‘regionais’, deveriam ter um problema de proporções cósmicas, porque as
instâncias internacionais também teriam ‘dificuldades em utilizar’ as respectivas
línguas... E depois dos factos de almanaque e das patacoadas de iluminado,
lá vem a conclusão ex catedra final e definitiva, e sobretudo mentirosa: «Portanto, o acordo vai permitir
a unidade da língua». Tão ridícula como mentirosa, porque nem o texto do
acordo diz tal coisa, declarando apenas que pretende a unificação da ortografia
(apesar de aceitar todas as excepções e facultatividades nele enumeradas...).
Como linguista, fica-lhe mal dizer estas coisas, senhor ministro. Como
ministro, nem sei que lhe diga...
E já não é preciso o acordo dos restantes países da CPLP?
O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, afirmou em Bissau que
a promoção do português é uma prioridade para o governo brasileiro e anunciou
a criação de uma universidade da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa
(CPLP).
«É uma prioridade para o Brasil e antecipo que vamos criar uma universidade
da CPLP, que será feita no Nordeste do país».
Fonte: Lusa, 22 de Abril de 2008
Comentário: com o ministro Celso Amorim, o ministro Gilberto Gil e demais
políticos e demais figurões brasileiros a fazerem tanta pressão para Portugal
ratificar o acordo ortográfico – a tocar até as raias da ingerência
nos nossos assuntos internos – não deveriam também pugnar, pressionar,
clamar e exigir o acordo dos países da CPLP a esta iniciativa brasileira
para promoção do ‘português’? O governo português sabia desta "antecipação"
(sic) ou ficou a saber apenas pelos jornais? E não tem opinião? Ou Portugal
apenas é necessário para ratificar o acordo ortográfico (e, assim, não
estragar a fotografia de família), mas dispensável para o resto? A pouco
e pouco, tudo vai ficando mais claro! O acordo não tem nada a ver com a
língua portuguesa, mas apenas com os interesses de alguns, apenas alguns,
dos seus falantes!
Já começou...
«Gmail passa a suportar português de Portugal.
O serviço de correio electrónico da Google já não está apenas disponível
em Português do Brasil. A partir de hoje, o serviço também pode ser configurado
para português de Portugal.»
Fonte: tek.sapo.pt, 29 de Abril de 2008
Comentário: aqui está, com a crueza da realidade, o desmoronar precoce
do sonho acordista. Mais uma organização, esta verdadeiramente global,
que não acredita no acordo ortográfico e que insiste em separar as linguinhas
– a portuguesa e a brasileira. Segundo os acordistas, com o Monstro
em vigor, bastava passarmos todos a escrever da mesma maneira, para todos
entendermos o que os outros escreveram... Só que a língua não é apenas
ortografia – fundamentalmente, não é ortografia. O facto de escrevermos
de modo igual algumas palavras não assegura de modo nenhum a compreensão
da mensagem do texto. Contrariarmente ao que nos prometem, desde sempre,
os acordistas, o mundo não vai em cantigas e trata de modo diferente o
que é, simplesmente, diferente! Vasco Graça Moura já tinha avisado que
«[o acordo] levará a que a língua portuguesa se cubra de ridículo no plano
internacional.» Já começou...
E o que é que nós temos a ver com isso?
«O problema essencial é a nível do Brasil que, durante muito tempo, ficou
isolado e só, e desenvolveu a Língua Portuguesa muito mais ligado à realidade
americana.»
Amélia Mingas, presidente do Instituto Internacional de Língua Portuguesa
(IILP), em declarações à margem da XII Reunião do Conselho de Ministros
da Comunidade de Países de Língua Portuguesa (CPLP) (in www.noticiaslusofonas.com)
Comentário: tem razão a presidente do IILP. Como eu já tinha dito acima,
o português do Brasil (como, também, o dos outros países lusófonos) seguiu
e segue outros rumos e teve e continua a ter outras influências –
diferentes, evidentemente, do português falado e escrito em Portugal. Logo,
não deve ser a minha língua (escrita) que deve ser modificada, para acolher
as deambulações histórias e linguísticas dos outros povos.
E além disso, o Acordo – ainda segundo eles – facilita a aprendizagem do português pelas crianças portuguesas e dos outros países (a mania da
universalidade nas cabeças dos acordistas é uma constante...) e pelos estrangeiros
que querem aprender português.
Sobre a preocupação com as crianças, já sabemos como funcionam as teorias
do ensino facilitado, como na Matemática: vamos facilitar, que eles aprenderão!
Ao cabo de muitos anos a tentar alcançar a miragem do ensino lúdico e fácil,
na Matemática e não só, os resultados falam por si...
Mas as crianças, Senhor...
No Anexo II (Nota Explicativa) do Acordo, dizem os autores da atoarda acordista
que «É indiscutível que a supressão deste tipo de consoantes [mudas] vem
facilitar a aprendizagem da grafia das palavras em que elas ocorriam. De
facto, como é que uma criança de 6-7 anos pode compreender que em palavras
como concepção, excepção, recepção, a consoante não articulada é um p,
ao passo que em vocábulos como correcção, direcção, objecção, tal consoante
é um c? Só à custa de um enorme esforço de memorização que poderá ser vantajosamente
canalizado para outras áreas da aprendizagem da língua;»
Comentário 1: asseguram os psicolinguistas que esta afirmação é uma mentira
do tamanho do Convento de Mafra ou da ignorância de quem a vomita, assim,
despudoradamente. Se o argumento da aprendizagem da ortografia pelas criancinhas
fosse válido para estuporar a ortografia de um povo, as escritas de telemóvel
deveriam também ser aceites como ortografia corrente. Porque não? Afinal,
são compreendidas por quem as escreve e quem as lê e, helàs, não passam também de uma convenção (outro argumento dos acordistas para
a ortografia poder ser alterada a golpes de martelo legislativo).
Comentário 2: a ser obrigatório que uma criança de 6-7 anos “compreenda”
todas as especificidades da escrita da sua língua, por que não exigir-lhe
também que “compreenda” outros pormenores do saber, como, por
exemplo, o algoritmo da divisão? Não apenas saber fazer a conta, mas “compreender”
o algoritmo!
Comentário 3: quanto ao «enorme esforço de memorização», que agora deixaria
de ser necessário, é o delírio completo dos acordistas: as crianças de
6-7 anos deixariam de ter de memorizar a 'enorme chatice' de algumas consoantes
mudas, para “poderem vantajosamente canalizar” o seu esforço
de memorização para, talvez, a TLEBS (Terminologia Linguística para os
Ensinos Básico e Secundário)! Espantosa justificação! Miserável argumento
este, o de utilizar crianças de 6-7 anos para convencer os adultos do que
não conseguem de outro modo. E quanto às demais excepções, ressalvas e facultatividades na ortografia
proposta, têm os senhores do Acordo a certeza de serem compreendidas pelas
pobres criancinhas?
E, para os que desejam aprender a falar e a escrever português, a solução
é muito fácil: pergunte-se-lhes simplesmente que português desejam aprender,
por gosto, mania ou razões culturais ou económicas, e ofereça-se-lhes o
serviço. Para surpresa e, talvez, horror, dos acordistas, é isso mesmo
que fazem, há já muito tempo, as escolas de português para estrangeiros
em Portugal: quando um sueco por cá aparece para aprender a falar e a escrever
português, porque vai trabalhar para o Brasil, a escola mete-lhe na frente
um professor brasileiro! A um italiano que vá trabalhar para Moçambique
caberá, naturalmente, um professor português. Simples, fácil e eficiente!
É um pouco estranha, sim senhor!
«Do ponto de vista literário, propriamente dito, é-me absolutamente indiferente
que seja a versão brasileira ou a versão portuguesa. No entanto (...),
a regra para nós, portugueses, é um pouco estranha, porque é a norma brasileira.
Ficarei na norma portuguesa.»
Eduardo Lourenço (declarações à Lusa, 11 de Fevereiro de 2008)
Também nós não vamos gostar...
«Embora não deixe que os seus livros sejam adaptados ao português do Brasil,
pela lógica dos factos terá de se preparar para a entrada em vigor do acordo
ortográfico. Vai mudar a maneira de escrever?
Não vou mudar nada! Continuarei a escrever como escrevo. Os editores e
os revisores que façam o seu trabalho e que corrijam as palavras segundo
a nova moda. É claro que já sei quando tiver o livro nas mãos não gostarei.
Mas também já não vou ter muito tempo para preocupar-me com essas coisas.
Posso compreender a necessidade do acordo. Mas não sei se é necessário!»
José Saramago, em entrevista ao Sol de 19 de Abril de 2008, p. 48.
Comentário: tem bom remédio, José Saramago. Basta que não deixe que os
editores e revisores corrijam as suas palavras “segundo a nova moda”.
Se você não as escreveu, nós também não as deveríamos ler. E tem esse direito,
já que os acordistas não se cansam de nos dizer que – mesmo com o
acordo a infernizar-nos o juízo ao ritmo do chorinho, do samba e do forró
– os escritores poderão escrever do modo como quiserem. Sim, porque
o Monstro não irá impedir a liberdade dos criadores... O que os acordistas
inventam para que a cicuta que nos dão a beber nos saiba a leite-creme
é simplesmente espantoso!
Ah! Os interesses! Bem me parecia que isto não tinha nada a ver com ortografia...
«Fruto de um longuíssimo processo de acordos, protocolos modificativos
e ratificações, cuja descrição a exiguidade de espaço me impede de pormenorizar,
o acordo já estava em vigor, do ponto de vista jurídico, em todo o espaço
da CPLP desde que, há cerca de um ano, três países – Brasil, Cabo Verde
e S. Tomé e Príncipe – ratificaram o último dos protocolos modificativos,
o qual estipulava que bastaria a ratificação por três, em lugar dos sete,
dos Estados membros para que entrasse em vigor. Portugal e todos os parceiros
da CPLP deveriam nessa altura ter começado a pô-lo no terreno. Ora, como
toda a gente sabe, nada aconteceu, nem cá, nem no resto da CPLP, nem mesmo
no Brasil que procurou, a partir de um certo momento e por interesses de
diversa natureza, entre os quais está o domínio do mercado editorial da
CPLP, que até agora Portugal detém, liderar o processo acompanhado daqueles
dois países.»
Isabel Pires de Lima, ex-Ministra da Cultura de Portugal, (texto no semanário
Sol, a 18 de Março de 2008)
Nem um único leitor, nem um único falante...
«Compreendo que o Governo português tem um compromisso político-diplomático,
assumido em 2004 pelo Governo de então, que dificilmente lhe permitiria
não ratificar o 2.º Protocolo Modificativo ao Acordo Ortográfico, independentemente
de discordâncias que porventura tenha quanto ao seu conteúdo.
(...)
A expansão internacional de uma língua não se faz nem por facilitações
ortográficas bebidas em critérios fonéticos em detrimento de critérios
etimológicos nem por unificações ortográficas estabelecidas por decreto,
como as línguas inglesa ou francesa abundantemente revelam, mas sim pelos
conteúdos que for capaz de veicular (através da literatura, da música,
enfim da cultura). É por aí que passa uma verdadeira política de internacionalização
de uma língua e não pelo logro da facilitação fonética da ortografia. Logro
tanto maior quanto o critério acima referido da facultatividade vai criar
maior dúvida grafémica em quem pretende aprender o português. Não será
o Acordo que fará o português ganhar um único leitor, um só falante ou
o direito a ser língua veicular num único forum internacional.»
Isabel Pires de Lima, ex-Ministra da Cultura de Portugal, (texto no jornal
Diário de Notícias, a 2 de Junho de 2008)
Comentário 1: se Portugal “dificilmente poderia não ratificar o 2º
Protocolo Modificativo” (mandando assim, na prática, o acordo para
as calendas), como pôde o Brasil fazer isso mesmo com o acordo de 1945,
quando o repudiou e revogou, 10 anos depois de ter decretado a sua aplicação?
Que vergonha será esta, a de, simplesmente, defendermos os nossos interesses?
Vergonha, vergonha a sério, será não os defendermos, com o argumento de
termos assinado um papel há quase 20 anos e, depois, envergonhadamente,
termos feito tudo para que ninguém se lembrasse dele! Para Portugal e boa
parte dos PALOP o acordo tinha passado à história. Apenas quando o Brasil
se lembrou de o desenterrar, lá correu o governo e o seu séquito de acordistas
a limpar-lhe o pó e a vendê-lo como o maná do nosso futuro, com palavras
de ordem de “a língua não é só nossa”! Simplesmente ridículo!
Comentário 2: tem carradas de razão a ex-ministra quando afirma que «não
será o Acordo que fará o português ganhar um único leitor, um só falante
ou o direito a ser língua veicular num único forum internacional.»
Uma cousa séria: cada participante deveria seguir o seu próprio padrão!
«Estranhamente, alguns brasileiros e outros membros da CPLP põem uma questão
prévia: a língua não é propriedade de Portugal, pertence a todos os países
dessa comunidade; logo, o Brasil, Angola, Moçambique, etc., não têm de
acatar as injunções de Lisboa, conquanto esta se jacte de ser a depositária
de tradição multi-secular. É de esfregar os olhos, atónito – o argumento
só serve para ridicularizar os países que dele se servem. Porque é que
têm de seguir o padrão brasileiro? O Brasil também não é o único «proprietário»
(sic) – em boa lógica cada participante deveria seguir o seu próprio padrão.
Ou será encapotado imperialismo, a fim de escorraçar de África e substituir
o incómodo Portugal? Regressemos a cousas sérias.»
Vitorino Magalhães Godinho, in Jornal de Letras, 26 de Março de 2008
Para quem precisa da língua para trabalhar e ganhar dinheiro (há pessoas
destas, acreditem), a quimera académica do português-língua universal é
um embuste e não passa de publicidade enganosa. É que, se alguém aprender
português em Portugal e o quiser utilizar no Brasil, vai ter de passar
por um período, mais ou menos longo, de adaptação à nova norma linguística,
tanto falada, como escrita. O mesmo, evidentemente, se passaria se o sentido
fosse o contrário. E depois, haverá problema algum nisso? Um parisiense
não se verá também “grego” no Québec? Andarão os falantes de
francês do Canadá ou da Argélia a clamar por um acordo ortográfico no mundo
francófono? E se andassem, está a ver o leitor a Académie française a dar-lhes ouvidos e a correr a escrever os artigos de um tal Acordo?
Jamais! Saudavelmente, a Académie, em vez de embarcar em passarolas acordistas, faz o que deve ser feito:
emite as suas rectifications de l'orthographe, aplicáveis ao francês usado em França, deixando aos outros falantes o
poder e a possibilidade de mandarem no uso e na ortografia da sua própria
língua.
Isso mesmo: 'o inglês não tem acordo ortográfico, porque simplesmente não
precisa dele'
«Ouço dizer: o Inglês (sic) não tem acordo ortográfico e passa muito bem sem ele. Omite-se aqui que
as oscilações ortográficas em Inglês (que, aliás, estão dicionarizadas)
são muito reduzidas e também que, nele, a relação entre grafia e pronúncia
é muito mais convencionada do que em Português (sic); e falta aprofundar um pouco a questão, para chegarmos a uma resposta
óbvia: o Inglês (sic) não tem acordo ortográfico, porque simplesmente não precisa dele. E não
precisa porque o seu esmagador poder linguístico é sobretudo um efeito
de outros poderes que arrastam e praticamente impõem aquele poder linguístico:
o poder político, o poder económico, o poder tecnológico, o poder cultural,
etc. Numa palavra: o poder.»
“Acordo Ortográfico: para além de Portugal”, Prof. Carlos Reis
Comentário: sem querer, este acordista pôs os pontos nos ii – o que
faz falta ao português, na sua múltipla diversidade, são os tais bons e
sérios dicionários (como no inglês, como ele reconhece), onde sejam registadas
as diferenças e divergências ortográficas da língua e os dicionários contrastivos,
os gerais e os especializados. É disso que temos falta, e não de ortografia
martelada por linguistas (que não fazem os dicionários que deviam) e políticos
(com sonhos de grandeza serôdia)! Quanto à não-necessidade de acordo ortográfico
na língua inglesa, “porque simplesmente não precisa dele” e
porque tem “o poder”, estamos falados: o Monstro que nos querem
impor não tem nada a ver com língua, ortografia ou a facilidade de aprendizagem
(as criancinhas, Senhor e os alunos estrangeiros, coitadinhos, com professores
ora brasileiros, ora portugueses). Tem a ver com poder! Já se sabia. O
que não é claro, pelo menos para mim, é como é que Portugal vai adquirir
esse poder desmembrando a sua ortografia ao sabor dos interesses do Brasil,
numa miragem estúpida e fútil de um poder à escala global, apenas porque
segue na peugada de um país com 180 milhões de falantes (e escreventes,
quantos serão, alguém me diz?) de um português cada vez mais distante e
diferente do que falamos e escrevemos em Portugal. É que, a ser verdade
este argumento, como o poder político português não tem tido a coragem
de rejeitar este acordo (como fez o poder político brasileiro com o acordo
falhado de 1945), o tal “poder”, o verdadeiro “poder”,
só seria atingido quando fossem sanadas as incongruências do Monstro (como
as excepções, facultatividades, etc,) e a sua não-universalidade (ficaram
de fora 2% das palavras...). Num futuro mais ou menos próximo, nova fornada
de acordistas iluminados e uma nova mão-cheia de políticos ignorantes lá
virão dizer-nos novamente que, para facilitar (mesmo, mesmo) a 'aprendizagem
das criancinhas' e a 'leitura da poesia africana no Brasil' (argumento
ridículo de uma cantora brasileira) e podermos escrever documentos nas
Nações Unidas apenas com uma ortografia (uma mentira do tamanho da desonestidade
de quem a anda espalhar), teremos que fazer mais um acordo, para acabar
o trabalho agora deixado a meio, conforme defendem os acordistas mais furiosos.
A falta de acordo ortográfico no inglês contada de outro modo
«Assistimos a muitas comparações deste caso com o que se passa com outras
línguas. Não resisto à comparação com o inglês, que não só não tem uma
norma ortográfica única como tem várias (basta consultar os correctores
ortográficos). Nem ao império dos EUA ocorreu fazer um acordo ortográfico
que levasse os ingleses a alterar a sua ortografia (aliás infinitamente
mais complexa do que a portuguesa, por factores históricos que não só não
são descartados como, pelo contrário, são assumidos como legítimos). Nem
os ingleses quereriam. Como também não passou pela cabeça aos ingleses
(e também não passa pela nossa…) impor a sua ortografia aos outros países
de língua oficial inglesa.
(...) Não se pense ainda que se trata de um movimento nacionalista, o protagonizado
pelos que estão contra este acordo. Falarei por mim: quem me conhece e
conhece o meu trabalho só pode saber, justamente, que sempre lutei contra
apegos nacionalistas bacocos. A questão é outra, e mais séria, para quem
a quiser entender.»
“Afinal, ghoti é ou não é peixe? O desacordo ortográfico.”,
Prof.ª Helena Carvalhão Buescu (FLUL) In blog do Manifesto em Defesa Línguas Portuguesa
Escrever ‘adoptar uma ortografia na direcção da excepção’ é teimosia? Ora essa!
Ainda no Anexo II (Nota Explicativa) do Acordo, dizem os autores da atoarda:
«A divergência de grafias existente neste domínio [consoantes mudas] entre
a norma lusitana, que teimosamente [sublinhado meu] conserva consoantes que não se articulam em todo o domínio
geográfico da língua portuguesa (...)»
Comentário: Teimosamente, senhores do Acordo? Tenham vergonha e tento na língua! Em todo o Acordo,
esta é a única ocorrência da palavra “teimosia” (em qualquer
das suas formas)! Porquê aplicada apenas a um pormenor da ortografia portuguesa?
Acaso pode a forma, qualquer forma, de um povo escrever a sua língua ser
apelidada de “teimosia”? Por que não chamar também teimosia,
por exemplo, à manutenção do trema na norma brasileira, com uso restringido
apenas desde 1971, mas totalmente suprimido da ortografia portuguesa desde
1945? “Teimosia” para nós, portugueses, e soberania linguística
para os outros, NÃO!
Por cá, os acordistas ainda lamentam que Portugal tenha feito a sua reforma
ortográfica em 1911, “sem haver o cuidado de convidar o Brasil”!
Nas palavras de Malaca Casteleiro, fabriqueiro-mor do Acordo, «com a decisão
de 1911, quis impor-se a um outro país um acto de soberania emanado da
nossa parte». Importa-se de repetir, senhor Professor? Acaso o Brasil se
coibiu, ao longo da sua história, de adoptar ortografias diversas da portuguesa?
Não! Nem tinha que se coibir! Então porque acha o Professor que devemos
expiar eternamente o “atrevimento” de termos, soberanamente,
legislado sobre a nossa própria ortografia? A ser assim, a soberania seria
apenas letra morta, e até os livros de História teriam que ser “negociados”
e “acordados” entre as partes a que os factos históricos se
referissem... Estranho conceito de soberania o seu, Prof. Malaca Casteleiro.
E, sobre o facto de o Brasil ter aceitado e decretado como sua a reforma
ortográfica portuguesa de 1911, para a revogar e repudiar 4 anos depois,
Malaca fica mudo. Sonoramente mudo!
Portugueses! Estamos em guerra! Ou as mentiras dos acordistas!
«Bom, realmente a questão ortográfica é uma longa guerra de cem anos, não é? Foi desencadeada em 1911. Foi uma declaração de guerra ortográfica, uma declaração, subjazente, indireta. Propriamente, porque Portugal nessa
altura resolveu levar por diante uma grande reforma ortográfica sem ter procurado o consenso do Brasil. Ora, determinar uma ortografia é um ato de soberania de um país sobre
a língua, é um ato político e, portanto, não devia nunca ter sido tomada essa decisão sem o outro grande país de língua portuguesa se ter pronunciado sobre
essa mesma reforma. E aí começou o grande erro do lado português.» [ortografia conforme o original no sítio agpl.net e sublinhados meus].
Prof. Malaca Casteleiro, em exercício de autoflagelação, num debate da
AGLP (aglp.net)
Comentário: É mentira o que diz Malaca Casteleiro! O "outro grande
país de língua portuguesa" não só se pronunciou, como decretou como
Lei as reformas ortográficas (tanto a de 1911, como a de 1945). Só que
deu o dito por não dito, 4 anos depois, em 1919, depois de ter aprovado
a reforma de 1911, e 10 anos depois, em 1955, depois de a Academia Brasileira
de Letras ter aceitado a Convenção de 1945. E, se é verdade que Portugal
fez a sua Reforma Ortográfica de 1911 "sem ter procurado o consenso
do Brasil", Malaca Casteleiro deixa a história a meio: "em 1915,
a Academia Brasileira de Letras acabaria aceitando um parecer de Silva
Ramos (julho) que tornava oficial o sistema ortográfico lusitano, eliminando todas as divergências ortográficas entre Brasil e Portugal (novembro), apesar de que quatro anos depois (1919), a mesma academia
voltaria atrás, renegando a proposta de Silva Ramos e abolindo a resolução
de 1915". Do mesmo modo, também a Convenção Ortográfica Luso-Brasileira
de 1945 (que, segundo, a Nota Explicativa do Acordo Ortográfico de 1990
escrita pelos acordistas, "propunha uma unificação ortográfica absoluta
que rondava os 100% do vocabulário geral da língua2) foi assinada e decretada pelo Brasil em 1945 (3 dias antes de Portugal...)
e rejeitada por decreto, mais uma vez, 10 anos depois, em 1955. Para Malaca Casteleiro, estes factos são irrelevantes... Com uma posição
destas, baseada em factos consciente e vergonhosamente truncados, sobre
a “questão ortográfica” (qual questão?), como pôde e pode o
Governo português permitir que fosse/seja este senhor a defender o lado
português nas negociações sobre o Acordo Ortográfico? Claramente, o professor
continua a pensar que o novo Acordo deve ser como que uma “reparação
de guerra” para com o Brasil. Malaca Casteleiro tem o sagrado direito
à sua opinião, como linguista e como cidadão. Não deveria era poder representar
Portugal nesta matéria! Um conde de Andeiro nas Cortes de Coimbra de 1385...
Em que a “guerra dos cem anos” é vista de outro ângulo...
«A questão ortográfica entre Portugal e o Brasil é um bom exemplo da irritação
brasileira face à metrópole e da forma como Portugal não geriu bem o ascendente
que tinha em relação ao Brasil. O diferendo nasce de uma ‘gaffe’ diplomática
portuguesa. Em 1911, Portugal codifica pela primeira vez a sua ortografia.
Até então a ortografia era de tipo etimologizante, bastante afastada da
realidade fonética e não estava codificada, pelo que permitia uma grande
variedade de grafias. A comissão de linguistas encarregue pela República
de fazer uma ortografia, produziu um documento tecnicamente muito bom.
Mas ninguém pensou que era preciso perguntar aos brasileiros se aceitavam
aquela ortografia! Os brasileiros ficaram muito ofendidos e fizeram uma
anti-ortografia, ou seja, escolheram soluções propositadamente diferentes.
Desde essa altura, tem havido sempre tentativas de conciliação e aproximação
que, por um motivo ou outro, nunca batem certo. Em 1986, as autoridades
dos dois países estiveram de acordo em fazer uma ortografia única. Mas,
desta vez, ao contrário do que aconteceu em 1911, foram os linguistas que
não estiveram à altura da tarefa e produziram um documento tecnicamente
muito fraco. Depois houve mais duas versões, muito diferentes uma da outra,
a última de 1990, assinada no Brasil e em Portugal, mas a discussão em
torno da unidade ortográfica já tinha tantos anos e já tinha sido tão intensa
que, na realidade, nenhum governo se sentiu com coragem para dar o passo
seguinte e pôr a ortografia a funcionar. O que acontece é que já passaram
dezasseis anos, a ortografia de 1990 continua na gaveta e ninguém de facto
dá pela sua falta. O que é prova suficiente de que a coabitação de duas
ortografias, uma própria do Brasil e a outra própria de Portugal e restantes
países lusófonos, deve ser encarada como situação irreversível, que temos
de assumir e levar para a frente.»
Prof. Ivo Castro, entrevista em 2006 (in www.ponto.altervista.org/Linguas/Articoli/castro.html)
Comentário: bem me parecia que a ‘guerra’ do Prof. Casteleiro estava mal
contada...
Por cá, e no Brasil, os capatazes do Acordo parecem-me os directores de
projecto novatos das agências de tradução, quando pedem que os trabalhos
lhes sejam entregues em português “angolano”, “cabo-verdiano”,
“moçambicano” ou “timorense”, ou, quando o delírio
ou a ignorância é total, numa versão “universal” de português.
Assim uma espécie de português “neutro” que seja entendido
por todos, de Chaves a Baucau, com passagem por Bolama, pelo Mindelo, pelo
Príncipe, por Benguela, por Curitiba, por Quelimane, por Goa e por Macau.
Experientes, uns, novatos, outros, mas ignorantes, todos!
Ah!, o maravilhoso português “neutro”...
«Eu, pecadora, me confesso: passei oito anos da minha vida a inventar uma
língua chamada português neutro, numa empresa que queria uma tradução única
para utilizar em Portugal e no Brasil. E eu, acabada de nascer, tão ignorante
como bem-intencionada, achei que, com jeitinho, era possível. Pensava que
bastaria usar o acordo ortográfico de 1990 (sim, senhores: o mesmo que
agora se discute), e tudo acabaria em bem. Hoje, do alto da minha experiência,
vos digo: não funciona. O problema não é o modo como se escrevem as palavras,
mas o seu significado.»
Helena Araújo (in blogue 2 dedos de conversa)
Comentário: evidentemente, cara Helena, evidentemente!
Prá cama, portugueses! Vamos gerar falantes...
«Somos dez milhões neste rectângulo; seremos mais cinco milhões dispersos
pelo mundo. Em 1960, havia 70 milhões de brasileiros e em 2008 há 190 milhões,
isto é, o Brasil gerou mais falantes de português nos últimos 48 anos,
do que nós gerámos em 900.»
in Entrevista do Ministro da Cultura português à Lusa em 30 de Janeiro de
2009
Comentário: este ministro nunca deixará de nos surpreender com as suas
atoardas!
O Acordo para os tradutores portugueses
Para os tradutores portugueses, o Acordo poderá ter mais implicações negativas
do que, à partida, poderá parecer. A começar por uma maior escassez de
trabalho! Quanto aos tradutores brasileiros, como disse no início deste
texto, cabe-lhes a eles a defesa dos seus interesses. A este respeito,
é interessante notar que muitos tradutores brasileiros são grandes defensores
do Acordo. Porque será? Por estarem assim tão rapidamente imbuídos de um
espírito universalista ou terem sido permeáveis aos argumentos linguísticos
do Acordo? O leitor acredita nesta mirífica paisagem? Eu não acredito!
Com uma ferramenta que lhes permitiria aumentar a sua quota de mercado
e a sua penetração em mercados até agora reservados, por causa das especificidades
ortográficas e estilísticas do português europeu, aos tradutores portugueses,
os tradutores brasileiros apoiam e agradecem o presente que lhes caiu no
colo. No seu lugar, também eu seria um fervoroso acordista...
Para nós, tradutores portugueses, o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa
não nos interessa! Simplesmente, porque irá fazer perpetuar a ideia errada
do português “universal” no mundo da tradução, e porque dará
mais força, por mais algum tempo, aos “tradutores” pouco escrupulosos
que se apresentam como sendo capazes de traduzir para ambas as versões
da língua, a portuguesa e a brasileira.
Mas então, dirão os incautos e os ingénuos, se a nova ortografia é mais
próxima da norma brasileira da língua, os tradutores portugueses não podem
também aproveitar a boleia e penetrar no mercado brasileiro? Teoricamente,
sim. Mas, com diferenças de 1:3 ou 1:4 nos preços dos serviços linguísticos
– resultante das diferenças do nível do custo de vida e salarial
em ambos os países – esta hipótese é simplesmente irrealista. Os
senhores do Acordo aceitariam trabalhar em Portugal com salários brasileiros(3)?
E, afinal, que sabem os acordistas dos debates e das lutas (porque, de
“luta” se deve falar) travados pelos tradutores portugueses
nas secretárias e nas secretarias das empresas de tradução de todo o mundo
pela especificidade, ortográfica, mas não só, de cada uma das versões do
português? Nada!
Que sabem eles da prática corrente de mandar fazer as traduções no Brasil
a pataco (segundo os nossos padrões) e contratar depois um tradutor português
para fazer a “localização”, a revisão, a adaptação ou a “retradução”
para português europeu, a preços, evidentemente muito mais baixos, de revisão?
Nada!
Que sabem eles da resistência, por vezes heróica – porque mais dispendiosa
em termos financeiros – de muitas empresas portuguesas que recusam
utilizar documentação traduzida em “brasileiro”, umas vezes
por decisão própria, mas muitas outras pela rejeição pura e simples dos
seus clientes de ler textos numa língua que lhes é estranha? Nada!
É que, quem nada sabe destas realidades abre alegremente as portas para
olhar para um céu estrelado, esquecendo-se da terra e da lama dos caminhos
dos que têm que os percorrer penosamente.
Com o Acordo em vigor, os tradutores portugueses bem podem começar a comprar
dicionários brasileiros, já que, para muitas traduções destinadas a Portugal
e aos PALOP (onde, é bom não esquecer, a norma linguística segue o português
europeu), lhes será reservado um papel cada vez maior de localizadores
ou adaptadores das traduções feitas pelos seus colegas brasileiros. Exagero?
Não! Só quem não conhece como funciona a indústria das línguas é que poderá
negar liminarmente esta realidade. Os piores operadores desta indústria
– para quem a tradução é uma mercadoria globalizada, que se há-de
comprar onde for mais barata – têm agora, sem sequer o saber, os
acordistas como parceiros.
Uns e outros, a que se juntam os incautos e os sonâmbulos, sonham também
com o Português-Língua Oficial das Nações Unidas, que o Acordo tornaria
mais fácil de defender. Seria, para todos eles, a cereja em cima do bolo!
E, afinal, que teria Portugal, o português europeu, e os tradutores portugueses
a ganhar com esse tão lauto estatuto? Nada ou muito pouco, para além de
um muito duvidoso orgulho moral! Por uma questão de dimensão do universo
dos falantes, ou de estatuto de desfavorecimento económico dos outros países
lusófonos (factores muito do agrado das organizações internacionais), a
versão do português adoptada seria, muito naturalmente (sic), a brasileira, os centros de decisão linguística do português-língua-oficial-da-ONU
ficariam localizados abaixo do equador e, para nós portugueses, seriam
reservados alguns poucos lugares para traduzir apenas aqueles documentos
que fosse vergonhoso ficarem para a história numa versão linguística pouco
“portuguesa”, para interpretar alguns discursos ou para suprir
as eventuais ou sazonais faltas de mão-de-obra de tradutores ou intérpretes
brasileiros ou africanos. Do português, língua oficial, só haveria o nome!
Mas o nomezinho lá estava! Aleluia!
(3) Por exemplo, no estado do Rio de Janeiro, em 2008, o salário mínimo (piso
salarial) para advogados e contadores (i.e., contabilistas) empregados
– o escalão mais elevado definido pela Lei Ordinária Estadual n.º
5.168, de 20-12-2007 – é de R$ 1.200,00 (mil e duzentos reais), ou
seja, EUR 449,00. Como comparação, em Portugal, o Contrato Colectivo de
Trabalho para o sector da restauração estipula uma remuneração mínima pecuniária
de base de EUR 495,40 (o escalão mais baixo da tabela) para, por exemplo,
ajudantes de despenseiro, contínuos e empregados de limpeza... Perceberam
agora o problema, senhores acordistas?
Ainda as consequências do Acordo Ortográfico para a tradução e os tradutores
portugueses
«Como é evidente, o impacto deste desastre estender-se-á a todas as áreas
de actividade; para além das diversas indústrias, propriamente ditas, todos
sabemos que o mesmo sucederá, de forma ainda mais aguda, com o sector dos
serviços, e nomeadamente em tudo aquilo que se relacione com a própria
Língua: os tradutores independentes nacionais e as empresas de tradução
não brasileiras têm apenas um futuro imediato, e esse futuro é a falência.
Nenhum tradutor português poderá jamais competir no mercado internacional
com preços 50% inferiores (ou mais); se a ortografia passar a ser uma só,
nenhum cliente estrangeiro sequer hesitará entre o “fornecedor” de traduções
brasileiro e o tradutor português, angolano ou mesmo moçambicano; o custo
de vida em cada um dos países é completamente diferente, mas isso não interessa
evidentemente para nada, do ponto de vista do cliente. O acordo ortográfico
representa de facto uma revolução por via administrativa. A primeira da
História, por sinal. Parafraseando Churchill, e salvaguardando do mesmo
passo as devidas distâncias, nunca tantos foram tão roubados por tão poucos.
No caso de restar ainda alguma dúvida nos espíritos mais distraídos, frívolos
ou porventura simplesmente estúpidos, bastar-lhes-á talvez (ao menos tentar)
questionar os seus botões sobre o seguinte: o que têm a ganhar com isto
os defensores do NÃO ao acordo? E os outros, os tipos do SIM, o que ganharão
eles se o acordo for avante? Uma resposta implica a outra, não é? E a coisa
assim fica mais simples, não fica? Pois é, pois fica. Eu cá não sei ao
certo o quê ou quanto abichará cada um deles, mas sei perfeitamente quanto
esta gigantesca vigarice me custa. A Língua Portuguesa não é um objecto
que se possa trocar, comprar ou vender. Os portugueses que a usam como
ferramenta de trabalho, ao menos esses, não estão em saldo. Nem apreciam
particularmente que alguns salteadores e traficantes lhes tentem roubar
a enxada, essa alfaia singular com que revolvem o chão da pátria que lhes
deu o ser e lhes dá o pão. E que também serve, como qualquer sachola honrada,
para dar com ela na cabeça dos meliantes.»
João Pedro Graça in blogue Apdeites V2
Comentário: para quê?
Maus momentos para os tradutores portugueses...
(...)
«Por outro lado, os tradutores passarão também maus momentos. A ideia que
passa lá fora é que o português BR destitui de importância o português
PT, absorvendo-o. A consequência paira na simples diferença de menos 50%
na oferta de preços da tradução brasileira para um mercado incomparavelmente
maior que o português de Portugal.»
in jurispro.net
Comentário: Exactamente. Com a ressalva de o valor de 50 % no preço da
tradução entre Portugal e o Brasil pecar por (um grande...) defeito...
A desfavor de Portugal, evidentemente. Para os que fizeram o Monstro, nada
disto interessa, claro!
E o acordo em si, o que diz ele afinal?
Deixo abaixo, com a devida vénia à autora, Carmen Gouveia, e ao editor
(Edit On WeB), um excelente artigo sobre o assunto. Como não sei linguística,
fica a palavra de alguém que sabe. Afinal, as teorias e os critérios apresentados
pelos acordistas servem para justificar tudo e mais o seu contrário. Tal
como as excepções do próprio Acordo!
Lisboa, 19 de Fevereiro de 2008
Versão de 22 de Outubro de 2009
O (des)Acordo ortográfico: análise fria de um assunto brevemente em ebulição
Carmen Gouveia, linguista e docente na Universidade de Coimbra
As diferenças ortográficas entre Portugal e o Brasil remontam à reforma
ortográfica de 1911, adoptada em Portugal em 1916, e que apenas ocorreu
no nosso país.
A existência das duas normas a partir daí levou a que, após vários avanços
e recuos, o primeiro Acordo ortográfico luso-brasileiro, proposto pela
Academia Brasileira de Letras, fosse assinado em 30 de Abril de 1931. Os
dois países foram adoptando e abandonando algumas disposições desse Acordo
(Portugal no que diz respeito às consoantes mudas), até que em 23 de Dezembro
de 1943, assinam em Lisboa uma Convenção Ortográfica, que levará ao Acordo
de 1945, que é promulgado. Contudo, no Brasil continua a seguir-se o de
1943.
Em 1967, Coimbra acolhe o 1º Simpósio Luso-Brasileiro sobre a Língua Portuguesa
Contemporânea, que vai preconizar um novo Acordo entre Portugal e o Brasil,
de modo a solucionar as divergências, mas em que cada parte deveria fazer
concessões. Bem acolhido no Brasil, é ignorado em Portugal.
Em 1971 as duas Academias estabelecem um Acordo limitado, que é aceite
nesse ano no Brasil, mas só dois anos depois em Portugal (É nesta altura
que se suprime o acento nas palavras terminadas em -mente, de que muitos
se recordarão).
Os trabalhos iniciados pelas duas Academias em 1971 conduzem a um projecto
de Acordo em 1975, que virá a servir de base ao de 1986. Este Acordo, não
isento de incoerências, iria sofrer críticas duras por parte das personalidades
da cultura, sobretudo em Portugal, criando acesa polémica. Pensava-se com
o Acordo solucionar o problema das duas grafias oficiais. Não chegou a
haver consenso e o projecto foi abandonado.
Finalmente, em 12 de Outubro de 1990 foi aprovado em Lisboa o último Acordo
entre Portugal, Brasil e países africanos de expressão portuguesa, assinado
uns meses mais tarde, em 16 de Dezembro, mas volvidos 17 anos (com protocolos
modificativos em Julho de 1998 e Julho de 2004 – este último incluindo
já Timor-Leste), ainda não passou do papel.
De facto, o segundo protocolo modificativo estabelece que o Acordo entrará
em vigor com a assinatura dos estados signatários. O Brasil subscreveu-o
em Outubro de 2004, Cabo Verde em Abril de 2005 e, em Dezembro de 2006,
S. Tomé e Príncipe juntou-se a estes dois estados, viabilizando o Acordo.
Portugal, que ratificou inicialmente apenas o primeiro protocolo modificativo,
decidiu recentemente – na XII Reunião do Conselho de Ministros da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, que teve lugar no início de
Novembro deste ano (2007) em Lisboa – ratificar também o segundo
protocolo modificativo do Acordo até ao final do ano em curso. Felizmente,
a ministra da Cultura, Isabel Pires de Lima, anunciou que o nosso país
vai pedir um prazo de 10 (dez) anos para a entrada em vigor do Acordo em
causa, de modo a que haja tempo para a adaptação, nomeadamente dos manuais
escolares.
A solução não satisfaz, mas – pelo menos – adia por cerca de
uma década as confusões que daí advirão e que serão muitas, como seguidamente
se demonstrará.
Os objectivos do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (como se designa)
são louváveis: promover a unidade, não apenas gráfica, da língua escrita,
de modo a contribuir para uma maior difusão do português como língua de
projecção internacional. Mas será essa unificação viável para tantos países,
se nem entre dois (Portugal e Brasil) tem sido possível?
Para responder a esta questão, há que analisar – com algum pormenor
e espírito crítico (sem esquecer a base científica fundamental) todo o
texto do Acordo, o que estipula (e como o faz) e altera, bem como a nota
explicativa que vem anexa (Anexo II) ao documento, para tecer, depois,
as necessárias conclusões.
Sem qualquer desmérito ou desrespeito pelo trabalho (sem dúvida árduo!)
da equipa de estudiosos que empreenderam a dura e difícil tarefa de redigir
(ou alterar com base no de 1986) o Acordo que agora se analisa, e ciente
de que o ideal seria uma utópica unificação total da ortografia, a realidade
é diferente e prova que mesmo uma unificação parcial (como a que o documento
propõe) é difícil ou mesmo inviável, dada a diferença das pronúncias cultas
(até agora entre Portugal e o Brasil, mas – sem dúvida –, a
médio prazo, entre estes dois países e os países africanos e/ou Timor),
e que levará (como nos mostra a experiência dos Acordos de 1931 a 1986)
a que só seja (se o for) posto em prática em alguns dos países que o assinam.
Por outro lado, e apesar de a Nota Explicativa do Acordo referir que este
apresenta apenas “incongruências aparentes”, uma cuidada leitura
do documento e das suas várias disposições (Bases) demonstra que –
queira-se ou não – haverá sempre diferenças inevitáveis e totalmente
incontornáveis: as “grafias duplas” ou “alternativas”
o emprego “facultativo” de uma ou outra grafia ou acentuação,
pelo que talvez valesse mais deixar tudo como está!...
Vamos aos factos:
Começando pelos critérios, não faz qualquer sentido que em determinados
casos se privilegie o critério fonético (pronúncia) e noutros o etimológico.
Por exemplo, na Base II, alínea a), mantém-se “por força da etimologia”
e, na Base V, as vogais átonas “regulam-se pela etimologia”.
Por sua vez, as consoantes mudas (em ba p tismo, dire c ção, a c ção, ó
p timo, etc.) suprimem-se por não serem pronunciadas e as grafias duplas
subsistem por haver diferentes pronúncias cultas (tónica/tônica, ónus/ônus,
jeffersónia/jeffersônia, por exemplo).
Essas mesmas grafias duplas, num texto que se pretende o mais possível
unificador, e que está escrito nos moldes que defende, proliferam “por
haver duas pronúncias cultas”: para além dos casos já acima referidos,
antropónimo/antropônimo, ténue/tênue, axiónimo/axiônimo, hagiónimo/hagiônimo,
bibliónimo/bibliônimo, heterofónicas/ heterofônicas e topónimo/topônimo.
Isto já para não falar de formas mais comuns como António/Antônio, Polónia/Polônia,
prémio/prêmio etc., que ficam muito longe da tão almejada unificação ortográfica.
Na Base IV, sobre as sequências consonânticas, estipula-se em 1º, b) o
seguinte: “Eliminam-se nos casos em que são invariavelmente mudos
nas pronúncias cultas da língua (...)” (casos de a c ção, afe c tivo,
a c to, cole c ção, dire c ção, exa c to, ado p tar, etc.). Mas, em c),
“Conservam-se ou eliminam-se facultativamente” se se proferirem
numa das pronúncias cultas. E em d) é possível ver novos casos de dupla
grafia, como sumptuoso e suntuoso, peremptório e perentório, entre vários
outros. E o mesmo no 2º ponto, em que – novamente – “Conservam-se
ou eliminam-se facultativamente”, donde amígdala e amídala, subtil
e sutil e súbdito e súdito, etc. Em suma, essa “unificação”,
como se depreende, é impossível!...
Outro problema grave (e insolúvel) é a acentuação gráfica. Nas oxítonas
(ou agudas), a Base VIII, artigo 1º, estabelece que – no que respeita
à palavra terminada em -e, de origem francesa- “por ser articulada
nas pronúncias cultas ora como aberta ora como fechada, admite tanto o
acento agudo como o circunflexo”, e exemplifica com bidé/ bidê, bebé/bebê,
canapé/canapê, croché/crochê, guiché/guichê, entre outras. Pressupõe igualmente,
pela mesma razão das pronúncias divergentes, a acentuação dupla para formas
terminadas em -o, como judo/judô e metro/metrô.
Quanto às paroxítonas (ou graves), na Base IX, novamente há grafias duplas,
pela – uma vez mais – “oscilação de timbre nas pronúncias
cultas”: fémur / fêmur, ónix /ônix,, ténis / tênis, bónus / bônus,
Vénus /Vênus e pónei/pônei, etc. No ponto 4º diz-se, claramente, que “É
facultativo assinalar com acento agudo as formas verbais do Pretérito Perfeito
do Indicativo” (amámos, louvámos) para as distinguir do Presente
(amamos, louvamos). Mais outra complicação a juntar às demais... e com
implicações de sentido. O mesmo parece suceder no ponto 6º: assinalam-se
com acento circunflexo “facultativamente” dêmos, fôrma, para
distinguir de demos e forma; no ponto 9º deixa de se diferenciar a forma
verbal “pára” e a preposição “para”, como se essa
distinção não fosse significativa. Tanto mais que o Acordo estipula, nas
proparoxítonas (ou esdrúxulas) que deve haver manutenção do acento em formas
como fábrica e fabrica, análise e analise, secretária e secretaria, pois
a serem abolidos os acentos isso constituiria “sempre problema para
o tratamento informático do léxico” (ponto 5.3. c) ) e “alargaria
os casos de homofonia”. Não faz sentido um critério valer para um
caso e não para o outro!
Na Base IX, uma vez mais, “levam acento agudo ou acento circunflexo”
as formas como académico/acadêmico, cómodo/cômodo, anatómico /anatômico,
génio /gênio, Amazónia/Amazônia, etc.
Por sua vez, na Base XIV suprime-se totalmente (em Portugal desde 1945)
o trema, que é pena não se conservar em toda a língua portuguesa. Como
explicar a um estrangeiro (por exemplo a um Espanhol, que ainda mantém
esse diacrítico na sua língua) se se pronuncia ou não o >u> em quilo
e tranquilo, guerra e aguentar, lânguido e linguística?!
Para não ser exaustiva, uma última observação: porquê manter determinadas
grafias que são “consagradas pelo uso” nuns casos (Base XV)
e aboli-las noutros? Não há, de facto, uma coerência nos critérios.
Diz-se na Nota Explicativa que os Acordos anteriores (nomeadamente o de
1986) impunham uma “unificação absoluta”, e que não foi aceite
porque Portugal e Brasil não quiseram fazer cedências em casos tão importantes
– e que só por si justificariam o Acordo – como as consoantes
mudas e a acentuação das vogais nasaladas (ténis/tênis e António/Antônio).
Ora o novo Acordo dá para todos esses casos duplas possibilidades, alternativas,
facultatividade, etc., pelo que não é uma verdadeira unificação, e –
portanto – mais um complicado “desAcordo” que um Acordo!
Se este não resolve os problemas mais prementes, para quê aplicá-lo? Se
não vai solucionar o problema dos editores disporem da mesma grafia em
todos os livros, por que não manter tudo como está?
Em criança, como certamente a maioria das pessoas que agora estarão com
cerca de 40 anos, li (em português do Brasil) a banda desenhada do Zé Carioca,
do Professor Pardal, da Mónica (aliás, Mônica!) e nunca escrevi as palavras
com essa grafia (êle, idéia, combôio, Amazônia, etc.). Nem, certamente,
os da minha geração, que tinham consciência das diferenças!...
Com efeito, parece-me bem mais problemática a re-aprendizagem da escrita
em crianças e adultos (tanto mais que, a certo ponto, já não se vai saber
o que é obrigatório e o que é facultativo!), que aí sim começarão a dar
erros ortográficos em todos os territórios em que o Acordo entrar em vigor.
E se se acha que para a criança de 6 ou 7 anos há muita dificuldade em
saber se escreve o >p> em “baptismo” e o >c> em
“correcção”, para o que poderá (e deverá!) recorrer a um dicionário,
mais complicado se torna gerir as diferenças e relações lexicais ao usá-lo
e saber onde procurar se se passar a escrever “Egito” e “egípcio”,
por exemplo. Isto é incoerente com o que se diz na nota explicativa e é
ainda mais difícil para um estrangeiro aprender a nossa língua, tanto mais
que se consagra a dupla grafia em palavras de uso muito frequente e há
discrepância entre formas da mesma família lexical.
Uma última observação pertinente: não é necessário que os cerca de 200
milhões de falantes do Português tenham uma única ortografia para que a
língua tenha maior alcance e projecção mundial. Já para não falar das várias
variantes que há no Alemão, Francês, Chinês, Russo, Espanhol (embora a
Academia da Língua tenha tido uma acção unificadora imprescindível), que
não são totalmente unânimes a esse nível, o Inglês apresenta várias diferenças,
no âmbito da grafia, entre o Reino Unido, os Estados Unidos da América
e a África do Sul, por exemplo. Nem por isso o Inglês deixa de ser a língua
internacional por excelência e, sem qualquer dúvida, podemos afirmar que
esse facto não afectou, em nenhuma hipótese, a sua projecção e importância
e nível mundial.
Tal como o próprio texto refere, “Não é possível unificar divergências
que assentam em claras diferenças de pronúncia”, pelo que –
na impossibilidade do tão desejado, mas utópico, Acordo de unificação absoluta,
com coerente correspondência gráfico-fonológica – não faz qualquer
sentido um Acordo parcial, que continue a apresentar incongruências e critérios
não uniformes, a estabelecer um carácter de facultatividade e dupla alternativa,
pelo que continuará sempre a manter as divergências existentes ou mesmo
até a aumentá-las, correndo-se o risco de total confusão.
Desejo por isso, muito sinceramente, que o Acordo caia novamente no esquecimento
e que cada país venha a encontrar as suas próprias soluções, inviabilizando
a tal pretensa unificação.
Termino citando as sábias palavras do Prof. Ivo de Castro (proferidas na
conferência inaugural do XVIII Encontro da Associação Portuguesa de Linguística,
em 2002) – e com as quais me identifico totalmente –: “mais
tarde ou mais cedo a questão da ortografia do português terá de ser retomada
– não para engendrar novos Acordos internacionais sempre frustrantes,
mas para produzir uma reforma que reveja e actualize os equilíbrios grafofonémicos
do português europeu, para bem do ensino e da produção de língua escrita
em Portugal, deixando ao Brasil e aos países africanos o encargo de tomarem as suas
próprias iniciativas, separadas e divergentes, nesse campo”. (O sublinhado é da minha inteira responsabilidade).
1.º Centenário do Desacordo Ortográfico entre Portugal e o Brasil –
1 de Setembro de 2011
Com a implantação da República em Portugal (em 5 de Outubro de 1910) foi
nomeada uma comissão – constituída por Aniceto dos Reis Gonçalves
Viana, Carolina Michaëlis, Cândido de Figueiredo, Adolfo Coelho, Leite
de Vasconcelos, Gonçalves Guimarães, Ribeiro de Vasconcelos, Júlio Gonçalves
Moreira, José Joaquim Nunes, Borges Grainha e Augusto Epifânio da Silva
Dias (que pediu escusa) – para estabelecer uma ortografia simplificada
a usar nas publicações oficiais e no ensino, que foi oficializada por portaria
de 1 de Setembro de 1911. Esta reforma da ortografia – a primeira
oficial em Portugal – foi profunda e modificou completamente o aspecto
da língua escrita, aproximando-o muito do actual, fazendo desaparecer muitas
consoantes dobradas, os grupos ph, th, rh, etc. No entanto, apesar de verdadeiramente
radical, esta reforma foi feita sem qualquer acordo com o Brasil, ficando
os dois países com ortografias completamente diferentes: Portugal com uma
ortografia moderna, o Brasil com a velha ortografia pseudo-etimológica.
(Fonte: Wikipedia). 1 de Setembro de 1991 marca, assim, o início do Desacordo
Ortográfico entre Portugal e o Brasil.
Opiniões portuguesas e brasileiras contra o Acordo Ortográfico
Uma nota de aviso: as ligações abaixo contêm apenas opiniões desfavoráveis
ao Acordo Ortográfico. As razões são simples:
(1) porque, no meu sítio, eu assim quero;
(2) porque não tenho que ser, nem quero ser imparcial sobre este assunto;
e
(3) porque os defensores do acordo já tiveram o seu palco, pago com o dinheiro
de todos os contribuintes, nomeadamente a Imprensa Nacional, que deu ao
ridiculo acordo letra de forma.
Opiniões portuguesas e dos PALOP contra o Acordo Ortográfico
Caveat lector: os textos seguintes foram escritos por autores portugueses.
Ora, sem o Acordo, existe o terrível risco de não serem entendidos no Brasil...
Ó João, você tirou-me as palavras da boca, homem!
«Os interesses do povo brasileiro são tão legítimos como os do povo português.
A forma como os dirigentes de um e de outro tratam e promovem esses interesses,
isso é que está aqui em causa, com este acordo ortográfico. Os brasileiros
fazem pela vida dos seus, tentam aproveitar ao máximo, conseguir o máximo
e defender o máximo pelo seu país; os portugueses, pelos vistos, tentam
vender o máximo, esbanjar o que puderem apenas para aparecer na fotografia
e conseguir o máximo para si mesmos enquanto puderem. Ou é isso, ou são
apenas incompetentes, estúpidos e desleixados. Traidores, não. Talvez não.
Carecem de inteligência. E nasceram já sem memória alguma.»
João Pedro Graça, in blogue Apdeites V2
Comentário: i.e., os nossos interesses e os interesses deles. Ou, afinal,
os interesses de quem?
Caveat lector: os textos seguintes foram escritos por autores brasileiros.
Ora, sem o Acordo, existe o terrível risco de não serem entendidos em Portugal...
Ó Rafael, você tirou-me as palavras da boca, homem!
«Vamos aos fatos:
(a) não dá para acreditar que toda essa rede de influências, de contra-influências,
de abjurações de influência, de enaltecimento, de juras de ódio eterno
não teria sido tecida não fosse a uniformidade ortográfica do espanhol
(será que García Lorca teria deixado de acolher Neruda, caso houvesse diferenças
na ortografia do espanhol da Espanha e o do Chile? Em tal hipótese, Borges
teria dificuldades para entender a escrita de Ruben Darío? Haveria relação
de causa e efeito entre a uniformidade ortográfica e o trânsito de idéias
e influências entre os diversos autores de língua espanhola?).
(b) a diversidade ortográfica, que abarca um universo insignificante de
vocábulos, nunca foi obstáculo de entendimento para nenhum escritor profissional
(será que Graciliano Ramos, ele que fora tão influenciado por Eça de Queirós,
v.g. Caetés, tinha dificuldades imensas para ler Miguel Torga por causa
da ortografia?).
c) a língua inglesa convive tranqüilamente com as regras distintas de ortografia
válidas para cada lado do Atlântico e mesmo assim os autores americados
e os inglesas se deixaram influenciar mutuamente.
d) os livros do Saramago são editados no Brasil, por exigência do próprio
autor, com a ortografia portuguesa - e vendem cá muito bem.
e) as dificuldades enfrentadas por um estudante médio brasileiro quando
se aventura a ler um autor luso não residem na ortografia, mas no léxico.
f) um decreto que impõe, pela vontade imperial de um punhado de acadêmicos,
modificações casuísticas nas regras ortográficas pouco alterará o quadro
de alheiamento e distanciamento entre os países lusófonos.
g) esse mesmo decreto, entretanto, jogará na clandestinidade gramatical
milhares de estudantes que se alfabetizaram sob as regras atuais de ortografia.
A acordo ortográfico é, enfim, uma estupidez monumental.»
Rafael, em comentário deixado no seu sítio todoprosa.com.br de Sérgio Rodrigues
(Brasil)
Comentário: exactamente, factos são factos.
O Monstro visto do Brasil!
«Sou também tradutor e descobri há pouco sua página de comentários sagazes
e pertinentes contra o Monstro Desacordortográfico que se nos pretende
fazer aceitar. Concordo com seu posicionamento e com suas observações.
Ninguém nunca pediu que se viesse intervir na nossa língua, que estava
ótima ao abrigo de pretensas reformas inúteis, irresponsáveis e prejudiciais.
Sou brasileiro, amo meu país e minha língua e admiro Portugal pela sua
história, arte e cultura. Mas estou convencido de que são países diferentes
(é tão difícil assim para os proponentes do Desacordo perceberem isso?)
com evoluções distintas e, portanto, usos diversos do português. Vejo a
questão da língua por outro lado, ou seja, que tenho sorte de poder ter
acesso a outro país e outra cultura por meio de uma língua que, acidentalmente,
é a mesma. Não são canetadas que vão nos aproximar ou afastar, embora possam,
certamente, cobrir-nos de ridículo por culpa alheia, quando esses palermas
acordistas achincalham a língua e cobrem de vergonha milhões de falantes.
Se eu fosse estrangeiro, ficaria na dúvida entre rir ou compadecer-me das
palhaçadas de povos que, maltratados por maus governantes e maus acadêmicos,
não sabem o que fazer com seu idioma. Não que a visão externa me importe.
Importa o uso que fazemos nós da nossa língua. Se, no Brasil por exemplo,
o analfabetismo funcional grassa em todas as camadas da sociedade, pois
ninguém têm domínio do português, é uma questão que me preocupa muito mais
que letras mudas ou acentos. É uma questão, esta sim, que mereceria a atenção
dos governos e dos órgãos que deveriam zelar pela língua (e já o fizeram
alguma vez?): aprender a falar e escrever para aprender a pensar. E, claro,
nesse processo de formação cognitiva, intelectual e cultural, entraria
o intercâmbio com os outros países de língua portuguesa. Se tivéssemos
no Brasil algum ínfimo interesse pela literatura dos outros países lusófonos,
por exemplo, ou se houvesse aqui alguma penetração da imprensa desses países,
aí sim poderia começar paulatinamente a haver alguma aproximação entre
nossas maneiras de usar o idioma. Mas tem-se a impressão de ser arrastado
por uma correnteza de imbecilidade.»
José Ignacio Mendes Neto, Tradutor (Brasil)
Comentário: não tenho. Basta ler o texto para ficar tudo claro...
O VOLP portanto é brasileiro...
«O filólogo Evanildo Bechara (o acordista-mor brasileiro, homólogo do nosso
Malaca Casteleiro), responsável pela elaboração do VOLP, disse que os especialistas
portugueses não foram consultados porque "em nenhum momento o Acordo
fala em vocabulário comum. O VOLP, portanto, é brasileiro, e os outros
países de língua portuguesa poderão criar os seus."»
Acordo Ortográfico de 1990 (Wikipédia)
Comentário: Bechara em flagrante e descarada mentira, já que o Monstro
diz assim no seu artº 2: "Os Estados signatários tomarão, através das instituições e órgãos competentes,
as providências necessárias com vista à elaboração, até 1 de Janeiro de
1993, de um vocabulário ortográfico comum da língua portuguesa (sublinhado meu), tão completo quanto desejável e tão normalizador quanto possível, no que
se refere às terminologias científicas e técnicas". Eu bem sabia que o acordo ortográfico não se destina aquilo a que
se propõe e é apenas um exercício diplomático do governo brasileiro, mesmo
se baseado em mentiras. Sobre isso, não tenho nada a dizer, que o Brasil
é um país soberano. Mas já tenho a dizer que o governo português se pôs,
e continua a pôr, miseravelmente de cócoras em tudo o que se refere ao
Monstro. Gente menor, é o que são. O presidente da República português
também não fica bem no retrato: recebeu das mãos dos acordistas brasileiros
o livrinho do VOLP. O tal que, portanto, é brasileiro! Espero que haja
caixotes do lixo em Belém...
Um excelente artigo, escrito em 1998 pela professora e tradutora brasileira Lyris Wiedemann.
Já assim era há 20 anos!
Leituras obrigatórias
O Fim da Ortografia
António Emiliano
ISBN 972-665-527-5
Em “O Fim da Ortografia”, adaptação de um parecer entregue em mãos em Junho
de 2008 ao Presidente da República, o linguista António Emiliano propõe
um «comentário razoado» do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (1990).
Não sendo um comentário exaustivo de pormenor, é, no entanto, uma análise
profunda e implacável: António Emiliano examina e discute os diversos critérios
que subjazeram à elaboração do Acordo Ortográfico e demonstra a ineficácia
ou invalidade dos mesmos. Conclui que o Acordo é «um atentado grave contra
o valor da estabilidade ortográfica nas lusofonias que seguem a norma euro-afro-asiático-oceânica
por propor disposições ortográficas insustentáveis e abstrusas», e afirma
que o Acordo «causará “lesões” irreparáveis na língua portuguesa nos planos
da escrita, da oralidade, do ensino e do progresso científico.» O livro
apresenta em anexo o texto integral do Acordo Ortográfico (incluindo a
Nota Explicativa e a Rectificação de 1991), com algumas notas que apontam
gralhas e problemas do diploma publicado no Diário da República, e constitui
material imprescindível de consulta e referência para quem se interesse
profissional ou intelectualmente sobre a língua portuguesa e a sua ortografia.
Comprar onlineaqui
Os três dês do Acordo Ortográfico: Demanda, Deriva, Desastre
Francisco Miguel Valada
ISBN 978-989-8044-18-1
«O único propósito deste livro é o de demonstrar que o instrumento em causa,
o Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990, e os textos que o explicam
e o louvam comportam opções teóricas contrárias aos princípios de uma ortografia
alfabética, resultando num desastre em termos práticos. Um acordo é um
instrumento político, mas um acordo ortográfico deve respeitar os princípios
que regem uma ortografia de base alfabética: o fonográfico e o ideográfico.
O objectivo deste livro é igualmente rebater com argumentos linguísticos
(os principais a ter em conta) considerações meramente retóricas (que apenas
servem propósitos de persuasão). Num debate sobre a ortografia, só após
esclarecidas as questões linguísticas é que assuntos periféricos podem
entrar em acção. No Acordo Ortográfico, a Retórica não se limitou a contrapor-se
à Linguística. Em muitos casos, substituiu-a. E o desastre está aí, à vista
de todos». Comprar onlineaqui
Os [*] acordos, eles mesmos. Com formulários e protocolos para enfeitar...
[*] Ponha aqui o seu adjectivo preferido: inúteis, parolos, desgraçados,
malfadados, estúpidos, vergonhosos, etc.
Designado “Convenção Ortográfica Luso-Brasileira de 1945”.
Foi adoptado por Portugal e rejeitado pelo Brasil, porque lhes modificava os acentos nas vogais tónicas (tônica/tónica, etc.) no sentido
da prática portuguesa e restaurava as consoantes mudas no Brasil, uma vez que elas tinham há muito
sido abolidas (assim mesmo, na Nota Explicativa do Acordo de 1990).
Define a ortografia em vigor em Portugal, com algumas alterações introduzidas
em 1973.
A Nota Explicativa é, ainda hoje, quase 20 anos depois da apresentação
do acordo ortográfico , o ÚNICO documento técnico que o defende... Em apenas
5860 palavras (incluindo erros de ortografia e sintaxe), os acordistas
defendem o Monstro que criaram. O governo português, que deu o seu acordo
ao dislate, com base nestas breves e simples explicações, deveria ter vergonha
do acolhimento e apoio que lhe deu: para uma qualquer obra pública ou até
um projecto privado, exige notas explicativas, memórias descritivas, pareceres
e relatórios muito mais extensos e substanciados...
Este é o acordo que deve ser ABSOLUTAMENTE REJEITADO por Portugal, porque
nos modifica a ortografia da língua, no sentido da prática brasileira (argumento defendido pelos acordistas para justificar o incumprimento,
pelo Brasil, do Acordo de 1945...).
Onde é indicado um bom chorrilho de asneiras e erros de ortografia, sintaxe
e acentuação... Os autores do Monstro, na ânsia cega de porem toda a gente
a escrever da mesma maneira, demonstraram que, nem eles, sabem escrever
correctamente... Deve, contudo, notar-se que a indicação dos putativos
erros e gralhas no texto do AO é abusiva, por força do art.º 10.º (Autenticação
do text) da Convenção de Viena do Direito dos Tratados (Diário da República
n.º 181, Série I-A de 7 de Agosto de 2003). Como o texto do AO não contém
erratas ou correcções oficiais, tais gralhas ou textos foram passados a
lei...
Os acordistas em desespero: meus senhores, o Brasil, Cabo Verde e São Tomé
já ratificaram! Então, mais ninguém quer ratificar isto? Ai ele é assim?
Então, se ratificaram três (menos 50% de oito...), já vale, e temos razões
para cantar vitória... É o auto-ultimato dos acordistas, mais uma vez com
o beneplácito dos governos... Vergonhoso e simplesmente ridículo! Como
se as assinaturas de governantes de outros países tivessem força de lei
em Portugal! Ou vice-versa, evidentemente! É o que dá pôr linguistas a
fazer tratados internacionais...
Documentos fundamentais contra o Acordo Ortográfico
«A aplicação do Acordo não levará apenas ao caos no ensino nos oito países.
Levará a que a língua portuguesa se cubra de ridículo no plano internacional».
Vasco Graça Moura, Diário de Notícias, 6 de Fevereiro de 2008
Até os estrangeiros percebem o que significa o Monstro!
“It is really remarkable that a European colonial power changes its spelling
to match that of a colony,” Eric Hewett, a Rome-based linguistics expert
whose field of study focuses on the Basque language, says. “Normally, a
European power insists that their version is correct, that the colonial
speaker has an inferior grasp of their language.”
Apoio entusiasticamente este Manifesto e recomendo a sua assinatura por
todos os que não querem que a Língua Portuguesa seja desfigurada por acordos
com outros países.
Apesar de, erradamente, o texto da petição referir que passaríamos a escrever
“oje” em vez de “hoje”!
Nem o Acordo se atreveu a tanto (cf. Base II, 1.º). Tem 10 256 assinaturas
em 10ABR2008, 10:58H.
De fato, não percebo para que serve este acordo. Mas se estiver de vestido,
se calhar já percebo... Anónimo (na blogosfera)
Os erros do Monstro: que lindo serviço dos acordistas...
Acordo Ortográfico com a Venezuela ou a Líbia?
É que sempre se expandia o português mais um bocadinho...
Lapidar: se não for para nosso bem, não vale a pena...
E foi com este cavalheiro que assinámos o acordo orotográfico
O novo Acordo Ortográfico mais parece um Camões travestido de sambista.
E agora sem humor nenhum: conhece esta língua?
A apocalítica coleção de chorrilhos com que o atual governo nos quer batizar
é excecionalmente abjeta. A fatura deste projeto, cuja inspeção já se adivinha
pidesca (com os inspetores do governo nas escolas, durante o ano letivo,
de janeiro a outubro, a multar os professores incumpridores deste acordo
fraturante), será paga por quem, de facto, fala e escreve português em
Portugal e não pelos linguistas, politicos e economistas que o amassaram.
As alterações que nos querem impor sem qualquer justificação, deviam receber
uma excecional pateada, para não se tornarem coletivamente ridículas. A
assunção perentória e paranoica destas exatas medidas não tem cabimento,
nem tato nem pilhéria nenhuma. Há de o leitor pensar nisto, durante o seu
fim de semana no campo, junto à barragem hidroelétrica, enquanto pondera
se tem problemas de humidade em sua casa. Ou se vale a pena visitar o Egito,
onde vivem, curiosamente, os egípcios. Mas com cuidado, por causa do antissemitismo,
e sem sentimentos antirreligiosos. O melhor é ir no inverno para fugir
ao calor, mas, mesmo assim, pode ir de minissaia.
Pela autoestrada fora percebi que ele me queria passar as mãos pelo pelo,
pela forma como as suas pupilas se passeavam pela pele das minhas pernas.
Mesmo não sendo contrarregra, podia ter-lhe dito ‘(es)pera aí que estamos
na estrada' ou ‘para lá com isso' para o acalmar, que a ação de condução
não se compadece com distrações. Mas, ato contínuo, ele meteu os dedos
da mão direita a escalar pelas minhas pernas em busca da humidade primitiva.
A adoção de tais mudanças eram ótimas para relaxar, tanto que não lhe disse
‘para'. Se os homens creem que são multitasking, que deem tudo o que teem
para dar. [Fonte: blogue Chez 0.3]
Bandeiras, dísticos e panos para fazer a sua manifestação contra o acordo